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Numa sociedade obcecada por sexo, como é ser assexual?

01/05/2024

Ser assexual é não sentir vontade transar. A letra A da sigla LGBTQIA+ é um espectro com diferentes níveis de intensidade e categorias.

Aos 18 anos, *Julia se apaixonou pela primeira vez. Moradora de Maceió, ela conta que gostava da companhia, da conversa e dos abraços e beijos que trocava com o namorado. O relacionamento fluía naturalmente, com boa conexão. Havia atrações romântica, vontade de manter o compromisso, e emocional, desejo de aprofundar a intimidade, confiança e cuidado. Porém, Julia não tinha vontade de transar com o parceiro – e, quando rolou, não se sentiu confortável.

Quatro anos depois, após muitas dúvidas e receios, Julia conheceu pessoas parecidas com ela na internet. “Li relatos de relacionamento em que a atração romântica era muito mais latente do que a sexual”, afirma. Hoje, aos 26 anos e solteira, ela diz que pode namorar novamente, desde que exista um acordo de respeito mútuo e que o sexo não seja um elemento importante na vida do casal.

“É difícil de entender que alguém seja assexual num mundo sexual”

JÚLIA

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Ser assexual é não sentir necessidade e vontade, total ou parcial, de fazer sexo. Diferente do celibato ou abstinência sexual, a assexualidade não é uma escolha, e sim uma característica de pessoas que vivem bem sem sexo.

Importante frisar a questão da escolha, pois é o que diferencia a assexualidade da hipossexualidade, uma patologia em que a pessoa não sente o desejo que gostaria, o que causa incômodo e sofrimento.

Embora pouco discutida, estimativas apontam que cerca de 7,7% das mulheres brasileiras e 2,5% dos homens, entre 18 e 80 anos, são assexuais segundo dados de 2017 do Programa de Estudos da Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (ProSex-IPq).

Outro lance é o fato de que assexuais podem buscar e sentir prazer. Uma pesquisa de 2017, da entidade americana Archives of Sexual Behavior, apontou que 50% das mulheres assexuais e 75% dos homens se masturbam normalmente e têm fantasias sexuais – eles apenas não sentem atração sexual por outros indivíduos.

50 TONS DE NÃO DESEJO

A assexualidade é um espectro, com diferentes amplitudes e intensidades. Pessoas assexuais vivem relações de maneiras distintas, inclusive há algumas que até transam ocasionalmente. As principais categorizações da assexualidade são:

  • Assexual estrito: não sente atração sexual nenhuma.
  • Demissexual: sente atração sexual somente quando há uma conexão emocional.
  • Greyssexual: sente atração sexual em circunstâncias específicas.
  • Assexual Fluído: alterna entre os diferentes níveis de falta de desejo.

A assexualidade é considerada uma orientação sexual dissidente. É representada pela letra A na sigla LGBTQIA+, mas não tem nada a ver com ser ou não hetero ou gay. O que pode acontecer é ser assexual e, ao mesmo tempo, ter orientação romântica. Nesses casos, há mais uma série de categorias:

  • Birromântico: atração romântica pelo gênero masculino e feminino.
  • Heterorromântico: atração pelo gênero oposto.
  • Homorrômantico: atração pelo mesmo gênero.
  • Panromântico: sente atração romântica independente do gênero e sexo do outro.

Por sua vez, Arromântico é quem não sente atração romântica por ninguém.

O carioca *Danilo, de 44 anos, conta que por muitos anos teve dificuldade de se entender e se identificar. No passado, inclusive, via o seu comportamento como “romântico demais”. O assunto foi um tema recorrente nas sessões de terapia.
A situação mudou quando, mesmo se entendendo como assexual, Danilo se apaixonou por um rapaz mais novo. Para a sua surpresa, o desejo sexual apareceu.

“A conexão emocional era essencial para eu ter vontade de transar. Me dei conta que era Demissexual, e que não havia nenhum problema comigo”

DANILO

Após sete anos de namoro, Danilo terminou o relacionamento. Hoje, ele se entende como greyssexual.

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CONTEÚDO E ACOLHIMENTO

A assexualidade é rodeada por algumas inverdades. Uma delas é que pessoas assexuais ainda não encontraram um parceiro bom o suficiente que as façam sentir tesão – a similaridade com comentários que mulheres lésbicas ouvem de homens não é coincidência, é tudo machismo!

Com o intuito de orientar, tirar dúvidas e produzir conteúdo relevante, por quem entende e vive o assunto, há diferentes comunidades e grupos digitais em que assexuais dividem experiências, apoio e acolhimento.

Criada pelo pernambucano Júlio Neto, a Comunidade Assexual agrega pessoas de todo o Brasil. Desde 2019, o grupo produz pesquisas e conteúdos informativos, com foco em ser um ambiente seguro para a comunidade.

Fundado em 2018, o Coletivo AbrAce é voltado a educação e visibilidade sobre assexualidades. No nome, destaque para “ace”, abreviação fonética de “assexual”. Criada pela paulista Sara Hanna, a instituição busca promover políticas públicas de conscientização e proteção de assexuais, demissexuais e pessoas trans e não-binárias e demissexual.

“Para nós, assexuais, é muito danoso viver numa sociedade permeada por sexo”, diz ela.

ASSEXUAIS NA PARADA LGBTQIA+ DE ESTOCOLMO: AS CORES DA BANDEIRA ACE SÃO PRETA, CINZA, BRANCA E ROXA (Foto: trollhare/Flickr)

#FICADICA: o livro brasileiro Assexualidade em trânsito, de Luigi D’Andrea, descreve a assexualidade como possibilidade de orientação sexual, entendida como um não desejo sexual e como ato político. Já o documentário (A)sexual, de 2021, aborda a luta de pessoas assexuais por reconhecimento em uma cultura obcecada pelo sexo.

*Nome fictício, a pedido da fonte.

FOTO DE ABERTURA: Isi Parente/Unsplash

Quem escreveu

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Guilherme Schanner

Graduado em jornalismo pela Universidade Mackenzie, gosta de escrever e falar sobre cultura e sustentabilidade. Apaixonado pela natureza, é líder escoteiro desde a infância. Com experiência em produção e edição de conteúdo digital, trabalhou no Fala! Universidades.

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