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Os retratos da quarentena paulistana

13/07/2020

Ale Ruaro usou a tensão das ruas como combustível para retratar profissionais da linha de frente no combate a Covid-19 e anônimos

Ale Ruaro usou a tensão das ruas como combustível para retratar profissionais da linha de frente no combate a Covid-19 e anônimos

*O texto contém linguagem neutra de gêneros gramaticais

Uma hora e meia de conversa não é suficiente para conhecer alguém, obviamente. Porém, nos 90 minutos que conversei pelo telefone com Ale Ruaro, consegui compreender algumas coisas tanto sobre a pessoa, quanto sobre o fotógrafo. Metódico, megalomaníaco e determinado são algumas das palavras que poderiam descrevê-lo. E isso reflete — e muito — no seu trabalho. Em tempos de pandemia da Covid-19, que afetou as rotinas das pessoas em suas mais diversas particularidades, Ale não está com dificuldades em produzir, pelo contrário. Ele iniciou três projetos relacionados ao coronavírus: Caindo a Máscara — que retrata paulistanos fazendo mal-uso do equipamento de proteção individual; e dois de retratos: um com profissionais na linha de frente no combate a crise e outro com trabalhadores essenciais que não puderam parar durante a quarentena.

Além disso, dois livros seus estão com lançamento programado para este ano; 86 fotos suas foram vendidas para dois dos grandes colecionadores brasileiros de fotografia; ele deu três residências artísticas; e realizou duas exposições online. “Estou trabalhando muito mais, online e offline. Estou querendo afinar mais o trabalho que estou fazendo, ter um resultado mais focado no meu produto. Embora seja um momento muito triste, estou conseguindo fazer com que seja produtivo e bom, tanto para experiência de vida, quanto profissional”, explica.

PROJETO FOTOGRÁFICO RETRATA ANÔNIMOS VIVENDO SOB AS NOVAS REGRAS DE PROTEÇÃO DURANTE A PANDEMIA

Mas nem todos esses últimos meses foram assim. Ale conta que no início foi muito difícil e que os planos precisaram mudar. Ele estava com o lançamento de dois livros agendados para agosto, cinco exposições e a agenda cheia. Em pouco tempo, tudo caiu. Nos primeiros 15 dias após o início da quarentena, Ale refletiu até mesmo se continuaria na fotografia.

“Foi quando cheguei à conclusão que não podia largar a fotografia”, diz ele. “Aí comecei a curtir o tempo a mais em casa e passei a entender o que ia acontecer.”

CAINDO A MÁSCARA

Na primeira saída de casa durante o isolamento social para ver como estava a situação fora das paredes do seu apartamento, Ale já foi acompanhado do mesmo objeto que o acompanha há décadas: câmera fotográfica. Vários fotógrafos estavam mostrando as ruas da cidade de São Paulo vazias, cenário raro em qualquer outra época pré-pandêmica. Ale, no entanto, quis fazer diferente.

“Meu maior interesse é sempre mostrar as pessoas e o uso da cidade por elas. Nessa época as pessoas estavam começando ainda a usar a máscara e eu percebi que era mais como adereço do que proteção, ainda muito usada no pescoço, queixo, na mão.”

A partir disso, ele resolveu começar a fotografar pessoas que andavam pelo centro da capital — perto de onde ele mora — e que usavam de forma incorreta o equipamento, fundamental para proteger contra a contaminação pelo novo coronavírus.

Assim como nos seus outros trabalhos, Ale colocou sua linguagem e características próprias. Ele resolveu fazer as imagens em um horário em que a luz do sol é “dura” no centro, por volta do meio-dia, e detectou locais onde ela dava um contraste grande com o preto e branco — marca registrada nas suas fotografias.

No dia 1 de julho, São Paulo completou 100 dias de quarentena e, na última segunda-feira do mês (29), o governador João Doria anunciou a aplicação de multa no valor de R$ 500 para pessoas que estiverem em áreas públicas sem máscara. Estabelecimentos comerciais que forem flagrados com pessoas sem máscara também serão multados no valor de R$ 5 mil por pessoa cada vez que isso acontecer.

Com a nova punição determinada pelo governador, nos deparamos com um dilema ético, que é também uma discussão já antiga no mundo da fotografia: sobre pedir ou não permissão na hora de fotografar alguém. Para Ale, que transita entre os mundos da fotografia autoral e retratos e colabora com veículos de jornalismo, o objetivo é um só: “comunicar”.

ALE SOBRE PEDIR OU NÃO PERMISSÃO AO FOTOGRAFAR: “O OBJETIVO MAIOR É COMUNICAR O FATO”

“Quando eu faço o projeto Caindo as Máscaras, entendo que é um julgamento, que a pessoa não está consentindo e não vai concordar, mas acho que é uma crítica importante. Tem diferentes tipos de abordagem na fotografia de rua. Eu, pessoalmente, não interfiro e não quero interferência emocional”

OUTROS PROJETOS

Outra característica marcante da fotografia de Ale são os retratos, que ele decidiu que seriam seu foco há alguns anos. “Eu acredito que é uma das primeiras formas de representação, e que não vai acabar nunca”, diz.

Dentro disso, teve a ideia de realizar os outros dois projetos fotográficos durante a pandemia: um com profissionais na linha de frente da pandemia da Covid-19, como médicos e enfermeires; e outro com trabalhadores essenciais, impedidos de parar durante a quarentena, como caminhoneiros, policiais e garis. Neste último, para fotografar 28 retratos, ele rodou mais de 400 quilômetros na cidade de São Paulo.

Desde 2011, Ale ganhou quase 20 menções honrosas por suas fotografias. Seu último livro publicado foi o lançamento mais vendido da SP Foto Arte de 2019. No entanto, para o fotógrafo, os prêmios que ele persegue são outros.

“Para mim, orgulho é eu ter o meu trabalho reconhecido, ter bancado o meu livro de sadomasoquismo sozinho, fazer com que ele fosse o mais vendido da SP Foto Arte, fazer uma residência artística e ouvir de clientes e parceiros que eu mudei a vida deles”.

Fotografias: Ale Ruaro

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