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Coletivo de moda usa a artes visuais e têxteis para valorizar a produção de mulheres negras e mães solos na periferia da zona leste paulistana

Coletivo de moda usa a artes visuais e têxteis para valorizar a produção de mulheres negras e mães solos na periferia da zona leste paulistana

Durante o período de comércio de negros escravizados, mães vindas de países africanos com destino ao Brasil usavam retalhos de tecidos para confeccionar bonecas de pano para acalmar as crianças durante a viagem. As bonecas, feitas apenas com tranças e nós, foram chamadas de Abayomi, que significa “encontro precioso” em iorubá, uma das maiores etnias do continente africano cuja população, hoje, habita parte da Nigéria, Benin, Togo e Costa do Marfim. Com o passar do tempo, as abayomis tornaram símbolo de resistência, tradição e poder feminino.

Séculos mais tarde, o simbolismo das bonecas continua vivo no Abayomi Ateliê, coletivo multidisciplinar de moda e artes visuais que mantém um centro cultural independente em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo. O coletivo desenvolve roupas e acessórios para corpos livres e plurais e artesanatos que são vendidos no local e pela internet. No ateliê também acontecem desfiles e editorias de moda, oficinas e intervenções urbanas de grafitti e fotografia (as atividades presenciais estão temporariamente pausadas devido a pandemia da Covid-19).

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HIP-HOP EM PROL DA COMUNIDADE

ABAYOMI ATELIÊ REALIZA SHOWS, DESFILES DE MODA E INTERVENÇÕES URBANAS DE GRAFITTI E FOTOGRAFIA

Nas referências da Abayomi estão as essências da periferia: a rua, a intervenção urbana, hip-hop e suas vertentes e elementos das culturas nordestina e africana. De acordo com os dados do Observatório Cidadão, a quebrada de Ermelino Matarazzo possui um dos menores índices de equipamentos culturais. No entanto, o bairro possui um cenário cultural criado de forma autônoma pelos próprios moradores.

Entre as responsáveis por movimentar o local estão as idealizadoras do Abayomi: Marisa Souza, Pamela Rosa e Soraia Schelbli. O trio é multifacetado. Marisa, graduada em comunicação social e artes visuais, é grafiteira, estilista, modelista e editora de vídeo; Pamela Rosa, formada em design de moda e artes visuais, também é estilista e modelista; Soraia Schelbli, sacerdotisa de religião de origem afro, é especializada em marketing Cada uma delas desempenha uma função dentro do coletivo. Marisa e Pamela ainda formam, junto com Dj Negrito, o projeto musical de hip-hop SoouRosa.

Fundado em 2009, o Abayomi Ateliê é resultado de um impulso artístico motivado pela necessidade de promover as artes visuais periféricas utilizando a moda como suporte, valorizando pessoas potentes e as produções dos guetos. Porém, como cantou Sabotage, “quem vem das ruas, não joga fácil”. No início do coletivo, as fundadoras não tinham recursos financeiros e a alternativa foi começar com a customização de peças de roupas próprias, de amigos e garimpadas em brechós. Assim, começaram a divulgar a marca e viabilizar as primeiras encomendas.

COLETIVO AGE EM COMUNIDADES DA REGIÃO DE ERMELINO MATARAZZO, NA ZONA LESTE DA CAPITAL

Hoje, o ateliê organiza eventos anuais que se tornaram tradição na zona leste e beneficiam organizações parceiras e a comunidade, que se nutre de entretenimento, cultura, arte e informação. Nos últimos anos, foram realizados 12 desfiles de moda (incluindo edições que tiveram a rua como passarela), sete edições do encontro anual ExpoGraffiti Abayomi, que acontece em parceria com o projeto Varre Vila, e ações de intervenções fotográficas e festas para crianças. Nos eventos, há a presença dos quatro elementos do hip hop: shows ao vivo e discotecagem de DJs (com espaço reservado para mulheres nas cabines), apresentações de dança e exposições de artistas visuais – de quebra, também rola feira de artesanato. Entre os bairros impactados estão Vila Santa Inês, Jardim Maia, Itaim Paulista, Jardim Pantanal e Jardim Campos. Marisa comenta. O Abayomi grita as agonias da periferia, dos corpos, das dores e do silenciamento e age em prol do reconhecimento e representatividade. Elas comentam:

“Ainda há muita mulher potente com baixa autoestima, bons músicos sem oportunidade em shows e articulares culturais que não conseguem viabilizar seus projetos. E isso acontece porque vivemos num país em que as oportunidades não são iguais para todos”

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DRIBLANDO A PANDEMIA

Recentemente, o Abayomi criou o projeto Mascarando a Crise, que empresta máquinas de costuras e fornece retalhos de tecidos e utensílios e materiais, como agulhas, linhas, fita métrica, giz e elástico, para mulheres pretas de periferia – preferencialmente mãe solo e chefes de família sem renda ou desempregadas –, para que elas possam confeccionar e vender máscaras de proteção. Parte da produção é doada para famílias mais necessitadas.

OFICINAS DE CONFECÇÃO DE BONECAS ABAYOMI: MÃES SOLOS ESTÃO ENTRE O PÚBLICO-ALVO DO COLETIVO

“Frente a este momento delicado, a solidariedade e o cooperativismo devem falar mais alto do que os processos singulares”, diz Marisa.

Como a pandemia forçou a paralisação de grande parte das atividades do coletivo, as fundadoras estão realizando trabalhos administrativos do Abayomi de casa. Elas pretendem repaginar o canal do coletivo no You Tube e produzir conteúdo informativo sobre moda. “Engajar o público nas redes sociais tem sido o novo desafio do momento”, diz Marisa.

A adversidade de fortalecer a marca na internet se dá devido parte do público do Abayomi não ter acesso a internet – muitos só conheciam e se beneficiavam da sede física do ateliê. Ainda há outro aspecto que pesa contra elas: 42% dos domicílios (825 mil moradias) em situação de alta vulnerabilidade social na Grande São Paulo não contam com banda larga fixa, de acordo com um levantamento da Fundação Seade e do Cetic.

No entanto, a dificuldade momentânea não inviabilizará e nem apagará a história de mais de dez anos do Abayomi Ateliê. As integrantes, orgulhosas, relembram que a intenção original do coletivo, que se perpetua até hoje, não era apenas produzir e vende roupas, mas também usar a arte visual têxtil como suporte a valorização e reconhecimento das produções das pessoas da comunidade, principalmente das mulheres negras e mães solo.

Para finalizar, deixo uma frase da maranhense Lena Martins, artesã, educadora popular e militante do Movimento das Mulheres, que popularizou a confecção das bonecas abayomis no Brasil no final dos anos 1980: “Abayomi, fazendo arte com o que a vida oferece”.

FOTOGRAFIAS: Abayomi Ateliê

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
O Groovin Mood dissemina a cultura sound system Brasil adentro
Não há fronteiras para o teatro da Arquivo 2

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