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Sarrando na cara do patriarcado com Renata Prado

30/01/2020

A dançarina Renata Prado usa o ritmo das favelas para fortalecer o amor próprio, a autonomia e a libertação dos corpos das mulheres.

Era início da noite de uma segunda-feira. Eu estava numa sala de um centro cultural no centro de São Paulo. Conforme os minutos avançavam, o local era tomado por mulheres de diferentes estilos, idade, cores de cabelo e gírias. Todas tinha um único objetivo: dançar funk.

A responsável pelo encontro era Renata Prado. A dançarina, pedagoga e produtora cultural tinha uma intenção louvável: usar o ritmo originário das favelas para fortalecer o amor próprio, a autonomia e, principalmente, levar mais mulheres para o mundo da dança. De canto, eu via sorrisos e alongamentos. As mulheres pareciam bem animadas. O que as uniam era a ideia de romper com o estereótipo de que dançar funk é vulgar. Logo, eu me juntei a elas. Eu, repórter feminista que gosta de rebolar, também queria aprender a sarrar na cara do patriarcado.

Tudo começa com uma roda de conversa. Renata explica a dinâmica do encontro e pede para as mulheres compartilharem suas expectativas e origens. Logo na sequência já rola o som, e bora para se mexer. Em cima do palco, a professora passa as orientações, indo do passos mais básico para o mais complexos. Ela verifica o movimento de cada aluna e faz correções.

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O movimento que achei mais interessante foi o que tive tive que no chão de bruços, com a bunda para cima, enquanto apoiava todo o peso do corpo sobre os braços. Para ter mais equilíbrio, Renata dizia para abrir as pernas e empinar a bunda, ainda mais, para cima. Depois, era só rebolar.

Por mais que exista maneiras específicas de fazer cada passo, o mais importante é se divertir. Dançar é libertador, ainda mais ao lado de outras mulheres. “É sobre deixar os próprios julgamentos de lado e se sentir completa e autossuficiente”, falava a professora.

AULA DE FUNK: REBOLAR É SOBRE SE SENTIR COMPLETA E AUTOSSUFICIENTE

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CULTURA E ESTILO DE VIDA

O interesse de Renata pelo funk surgiu no início de sua adolescência. Em meados de 2005, o movimento começou a se fortalecer na cidade de São Paulo. Moradora do Itaim Paulista, no extremo leste da cidade de São Paulo, ela reunia as amigas para dançar.

O funk é uma cultura orgânica da periferia. É onde os jovens buscam refúgio e lazer”

RENATA PRADO, DANÇARINA

Mais de anos depois, já imersa na cultura e com o rosto conhecido nos bailes, Renata criou a Frente Nacional das Mulheres no Funk. A organização levanta o tema de políticas públicas que favoreçam mulheres por meio de atividades que envolvem música e dança, feminismos e combate ao machismo nas periferias e eventos culturais.

A ideia de fazer uma versão funkeira veio da admiração pela Frente Nacional das Mulheres no Hip-Hop, fundada em 2010. Ambos os movimentos são de grande importância para enfrentar o machismo no cenário musical.

Atualmente, já está posto que o funk é arte, resistência, estilo de vida e autenticidade da periferia – quem não reconhece está bem atrasado. E o que deseja a Frente Nacional das Mulheres no Funk, Renata?

“Queremos libertar os corpos das mulheres. Quando quisermos, vamos usar roupa curta, rebolar até o chão e ser glamourosa. E vão ter que respeitar”

RENATA PRADO

Nos últimos anos, Renata alcançou grandes feitos. Um deles foi ter sido a primeira dançarina de funk a dançar no Teatro Municipal de São Paulo. Numa apresentação coletiva, ela se apresentou ao lado de outras ícones vindas da periferia, como Jup do Bairro.

Como era de imaginar, são as mulheres que inspiram Renta. Na lista atual está a carioca Taísa Machado, criadora do Afro Funk, centro de pesquisa de danças afros e movimentos de quadril, e Eliane Dias, empresária dos Racionais MC’s.

PARTICIPANTES DA ACADEMIA DO FUNK: DIVERSÃO E SORORIDADE

NOSSA HUMANIDADE É INEGOCIÁVEL

Para Renata, arte e política são inseparáveis. No final do ano passado, ela participou de uma reunião na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para discutir a violência policial em bailes funk após a morte de nove jovens em Paraisópolis, zona sul da capital. O encontro teve o apoio da deputada Erica Malunguinho (PSOL).

Dias antes, Renata estava na linha de frente num protesto contra a ações violentas da Polícia Militar. O ato aconteceu na frente da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. No microfone, Renata frisou que o funk só estava ali devido a necessidade, pois o correto era ser pauta na Secretaria de Cultura.

RENATA EM PROTESTO CONTRA A VIOLÊNCIA POLICIAL: FUNK É PAUTA DA CULTURA, E NÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Para acabar com a violência e tumultos nos bailes, ela defende a criação de políticas públicas similares a de festivais populares do munícipio, como a Virada Cultural e o SP na Rua.

“Deveria existir um trabalho conjunto entre o Governo do Estado, a prefeitura, artistas e organizações das periferias”, afirma ela.

E a luta não para. No momento, Renata está desenvolvendo um documentário sobre a história das mulheres no funk. O projeto, assim como a Frente Nacional das Mulheres do Funk, é apoiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos.

E, como disse MC Carol: “mais respeito, sou mulher destemida, minha marra vem do gueto”.

REPORTAGEM: Alice Castelo
FOTOGRAFIAS: Kalinca Maki

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