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Histórias em quadrinhos de ódio em tempos de pandemia

08/05/2020

O ilustrador Leandro Assis e a escritora Triscila Oliveira retratam os privilégios da elite brasileira e sua aversão aos mais pobres por meio de histórias em quadrinhos

O ilustrador Leandro Assis e a escritora Triscila Oliveira retratam os privilégios da elite brasileira e sua aversão aos mais pobres por meio de histórias em quadrinhos

O ilustrador Leandro Assis e a escritora Triscila Oliveira retratam os privilégios da elite brasileira e sua aversão aos mais pobres por meio de histórias em quadrinhos

Mesmo após a confirmação do primeiro caso do Coronavírus no Brasil, no dia 26 de fevereiro, ninguém imaginou que a sociedade que vivíamos precisaria mudar tanto seus hábitos.

De acordo com o Ministério da Saúde, a primeira pessoa infectada em São Paulo foi um homem de 61 anos, que tinha viajado a trabalho para a Itália. O paciente foi tratado no Hospital Israelita Albert Einstein.

A partir daí, com a cidade de São Paulo como epicentro da doença no país, diversos outros casos pipocaram. Entre os primeiros contaminados, foi possível estabelecer um padrão: indivíduos de classe social alta, celebridades e influenciadores – uma vez que o vírus entrou no país pelos corpos de pessoas que vieram da Europa. Nada de novo num país marcado pela colonização como o Brasil.

CASO PUGLIESI

No início de março, a influenciadora Gabriela Pugliesi confirmou que contraiu o vírus após ir à festa de casamento de sua irmã, realizada num luxuoso resort no sul da Bahia. A cerimônia reuniu 500 pessoas. Parte dos convidados contraiu a doença, como a cantora Preta Gil. Mas, pensemos aqui: será que todos os trabalhadores envolvidos no casamento ficaram bem?

Ainda assim, recentemente, Pugliesi furou o distanciamento social ao fazer uma festa em sua casa para homenagear a amiga Mari Gonzalez, que participou do Big Brother deste ano. Deu bafão. Com milhares de seguidores vendo tudo pelo Instagram, Pugliesi foi criticada e algumas marcas também se posicionaram. Além de seguidores, ela perdeu milhões em patrocínio.  

Antes mesmo de estarmos vivendo em meio a uma pandemia, já era sabido que a periferia sofria diariamente com a escassez de acesso a cuidados médicos, estrutura hospitalar e renda para comprar alimentos e produtos de higiene e limpeza.

Agora, o problema complicou ainda mais. Recentemente, Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP Investimentos, que tem participação do banco Itaú, disse que o “Brasil está indo bem no controle do coronavírus e o pico da doença nas classes altas já passou”. E ele tem razão. O coronavírus é mais letal de acordo com o CEP. Por exemplo, no bairro periférico Brasilândia, 51,5% das pessoas infectadas com o vírus morreram, de acordo com dados até o dia 24 de maio. Por outro lado, no Morumbi, onde houve muitos casos da doença no início da pandemia, a taxa de letalidade é de apenas 2%, segundo uma reportagem feita pelo The Intercept.

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TIRINHAS DE ÓDIO

O ilustrador e quadrinista Leandro Assis é conhecido na internet pela série “Os Santos”, tiras de humor ódio, em que mostra os privilégios da elite brasileira e o relacionamento dela com os mais pobres. As ilustrações são diretas e duras, sem passar pano, e evidencia as realidades distintas entre as classes sociais

Uma das personagens da série é a empregada doméstica Edilsa, que trabalha na casa de uma família classe média alta do Rio de Janeiro. Numa das tirinhas, Edilsa acorda cedo, usa transporte público lotado, sofre assédio nas ruas e sobe pelo elevador de serviço segurando o pão recém-saído do forno da padaria – e, ainda assim, a patroa reclama que ela esqueceu de tirar a manteiga da geladeira horas antes de ser servida.

A série Os Santos foi criada em dezembro de 2019. Em poucos meses, a visibilidade de Leandro bombou. Seu perfil no Instagram, o principal canal de distribuição, saltou de 3 mil para 450 mil seguidores em pouco mais de um mês. Hoje, são mais de 634 mil. Leandro já comentou sobre as tirinhas em outra entrevista:

“Temos uma elite escravocrata, preconceituosa, classicista e extremamente egoísta. Nossa elite luta furiosamente para não perder privilégios e manter toda uma parcela da população na condição de subalterno. Até quando?”

Após receber alguns comentários da cyberativista Triscila Oliveira em suas publicações, ele a convidou para trabalharem juntos. Triscila, mulher, negra, escritora e ex-doméstica, tem contribuído para que as tirinhas sejam ainda mais realistas com a perspectiva e presença de quem vive um dos lados.

Assim como diversos artistas, setores e movimentos, os dois perceberam que era necessário se adaptar ao novo contexto da pandemia. Assim, nasceu “Confinada“, uma microssérie sobre o confinamento e isolamento social. A iniciativa teve como inspiração diversas influenciadoras digitais, inclusive de fora do Brasil.

Leandro conta, em entrevista exclusiva para a Emerge, que o trabalho entre os dois flui de maneira muito dinâmica e prática.

“Fazemos o trabalho à distância, trocando mensagens”, diz ele. “Um tem uma ideia para uma tira e manda para o outro, debatemos e buscamos nove imagens para contar a história.”

Em uma das histórias, Triscila e Leandro mostram domésticas como representantes da classe popular e resistente, que se unem contra a patroa, que não quer pagar os salários delas após elas terem que interromper os serviços devido o distanciamento social.

https://www.instagram.com/p/B_ZtNfYp9nh/

Em outra tirinha, a dupla traz a meritocracia como pauta. São mostradas as circunstâncias em que um garoto negro, periférico, estudante e trabalhador tem que passar para atingir seus objetivos, enquanto, ao mesmo tempo, mostra a rotina de um jovem branco, de classe alta, com diversos privilégios e que estuda na mesma faculdade do primeiro rapaz.

https://www.instagram.com/p/B9NJ0MtpCDf/

O PODER DA INFLUÊNCIA

Segundo Leandro, as reflexões apresentadas nas tirinhas recebem comentários positivos. O que reforça e confirma o papel formador e transformador da arte e da comunicação.

“A grande maioria do público demonstra a mesma indignação que eu e a Triscila sentimos. E recebo muitas mensagens de pessoas de classe média e média alta dizendo que as tiras as estão fazendo rever conceitos a atitudes”.

O fato que algumas pessoas que têm milhares de seguidores parecem esquecer é que suas atitudes influenciam os outros. Para Leandro, é necessário existir tanto a arte e quanto o entretenimento. Em suas palavras, a primeira é mais engajada e a segunda traz histórias que podem servir para fugir da realidade. Porém, o equilíbrio acontece quando as pessoas têm momentos em que querem esquecer da vida e momentos em que buscam se conscientizar sobre problemas da sociedade.

Vale destacar que é imprescindível que as pessoas de influência, como artistas e políticos, estejam dispostos e busquem conscientizar as pessoas com informações verdadeiras em prol do bem coletivo. Leandro reflete:

“Agora, em época de exceção – como quando temos um governo miliciano eleito com fake news e que persegue minorias –, acho importante que todos que tenham voz se posicionem e lutem para conscientizar as pessoas e denunciar as ações do governo”

Ainda que tentemos seguir a vida dentro do possível, não dá para pensar que trabalhar, estudar, criar ou fazer qualquer outra coisa, seja por hobby ou por obrigação, será igual como era antes do contexto do Covid-19, né? Tampouco a produtividade deve ser cobrada como se estivéssemos vivendo em tempos “normais”.

No começo do isolamento, Leandro não conseguia produzir. Ele só destravou quando entendeu que não deveria seguir com Os Santos e que seria melhor criar a nova série.

E o ilustrador reforça: “O importante é não se cobrar e entender que é um momento realmente extraordinário na sociedade.”

IMAGENS: Leandro Assis e Triscila Oliveira

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