Relação entre filtros de redes sociais e opressão contra mulheres, desafios de lidar com crises de ansiedade e precarização do trabalho. O que esses temas têm em comum? Além de fazerem parte da rotina de boa parte de jovens profissionais criativos, são temas de artigos da Revista Recorte.
Fundada em 2021, a Recorte é uma revista digital gratuita que aborda assuntos do universo do design e áreas correlatas, como arte, arquitetura, tecnologia, política, antropologia e sociologia. O conteúdo é produzido por designers e não-designers.
Os autores exploram suas relações com a profissão, frustrações, pequenas obsessões, pontos de vista e propostas para o futuro do trabalho e da sociedade. A ideia é contextualizar cenários, gerar discussões e multiplicar perspectivas, sempre identificadas com a realidade brasileira.
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Anualmente, a Recorte publica uma revista-livro impressa, que reúne os conteúdos publicados no site do projeto no ano anterior. A primeira edição, lançada em 2021, reuniu 45 ensaios. Os principais temas foram o impacto da pandemia no trabalho, os conflitos de ser designer no capitalismo tardio e o desejo de encontrar coletivamente novos caminhos para a profissão.
No ano seguinte, a segunda edição trouxe 18 ensaios e produções visuais. As produções abordaram séries e livros, música e política, astrologia e startups, trabalho e cuidado.
Há poucas semanas, foi lançada a terceira edição. Composta por 20 ensaios em português, escritos e ilustrados por diversos autores, aborda educação, trabalho, literatura e criatividade — tudo de forma politicamente engajada.
“Um dos principais problemas da profissão de designer é a padronização da criação, influenciada pelos algoritmos digitais”, afirma Bruno, designer gráfico 3D que participou do evento de lançamento da revista-livro.
O encontro foi um convite a reflexões sobre o futuro do design e novos modos de criação que considerem a saúde mental e a dignidade dos profissionais criativos, passando por sustentabilidade e conexão com a natureza.
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CADÊ OS PRETOS NO DESIGN?
A mesa do debate foi formada por Flora de Carvalho, editora e cofundadora da revista Recorte; Giovani Castelucci e Guilherme Vieira, do estúdio Daó; e Horrana Porfirio, idealizadora do projeto Cadê os pretos no design?, pesquisa que discute as questões históricas do design e localiza o papel das pessoas africanas em sua construção e na cultura material no Brasil.
Para Horrana, a baixa representatividade negra no design se dá em duas frentes: a ausência de profissionais e falta de reconhecimento das contribuições de pessoas da comunidade na área. Ambas se relacionam com o cenário histórico do “início” do design, durante a revolução industrial inglesa no século 18, e nos modelos de ensino que se espalharam pela Europa e mundo consequentemente.
Trazendo para a realizada brasileira, há o incremento do apagamento das contribuições dos povos negros e indígenas na cultura do país.
Ela lembra de Emory Douglas, que foi ministro da cultura do Partido dos Panteras Negras. Graduado em design gráfico pela Faculdade da Cidade de San Francisco no começo da década de 1960, Douglas foi responsável por todo o projeto gráfico dos jornais e cartazes distribuídos para as comunidades negras entre os anos 1968 e 1980. A linguagem por ele estabelecida marcou a época de lutas por direitos civis dos negros, reconhecida até hoje por seu caráter provocativo e sua autenticidade.
“Temos uma cultura riquíssima no design e artes visuais, mas que ainda é pouco disseminada”, diz ela.
Por sua vez, Giovani citou um projeto do estúdio Daó sobre a obra de Lélia Gonzalez, filósofa e antropóloga brasileira referência nos estudos e debates de gênero, raça e classe. O trabalho foi usado para tratar da valorização intelectual de criativos negros.
A crítica se refere ao conceito de Tokenismo, inclusão simbólica que consiste em fazer concessões superficiais a grupos minorizados para ganhar imagem de antiracista. Entre os efeitos do Tokenismo estão a visibilidade distorcida sobre o grupo representado, uma vez que uma pessoa ou projeto específico não representa a totalidade da comunidade, e o reforço a estereótipos.
“É importante refletir e ter postura crítica sobre as pessoas e as instituições que o mercado está valorizando”, diz Giovani.
O evento foi realizado no Galpão Comum, espaço independente de ateliê e pesquisa em design, arquitetura e fotografia que difunde discussões sobre cidade e imagem na contemporaneidade, com foco em mulheres e pessoas LGBTQIA+. Localizado na Santa Cecília, centro da cidade de São Paulo galpão também funciona como um coworking para profissionais criativos.
SERVIÇO
Galpão Comum
Rua Barão de Tatuí, 509 – Santa Cecilia, São Paulo (SP)
De segunda a sábado, das 9h às 19h
galpaocomum@gmail.com / @galpaocomum
Fotografias: Vic de Lima