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Cultura ballroom chega às periferias e reforça cena cultural LGBTQIA+

20/07/2023

Com origem norte-americana, movimento se insere na dança, na moda e na performance para combater o preconceito

#Emergereposta: por Karine Gomes originalmente publicado na Agência Mural

“A cultura ballroom acolhe corpos pretos, latinos e dissidentes e foi criada para construir relações entre essas pessoas excluídas e marginalizadas socialmente”. Essas são as palavras de Fênix da Silva Leite, 34, do Jardim Romano, na zona leste de São Paulo, e que vê o movimento LGBTQIAPN+ crescer nas periferias.

As balls são bailes com competições em que participantes LGBTQIAPN+ duelam entre si nas categorias de melhor rosto, vestido, desfile, entre outras. A dança, a performance e os figurinos, geralmente confeccionados por elas mesmas, são as principais ferramentas para se ganhar uma ‘batalha’. Há também um júri com especialistas da cena que avaliam as apresentações.

Bailarine nascida em Alagoas (Fênix é uma pessoa não-binária e por isso usa os pronomes neutros para se definir), teve o primeiro contato com a cultura em 2013, quando conheceu a dança vogue, um dos estilos presentes na cultura ballroom.

Fenix Zion participa de eventos ballroom
@Divulgação

Nessa época, a artista estava se especializando em danças urbanas, mas não sentia conexão ao estilo que possuía estereótipos masculinizados, o que mudou ao se aprofundar no ballroom.

“Estar em uma ball é como se sentir pertencente a algo, independentemente se você está ali para performar ou simplesmente apreciar as demais participantes”, afirma Fênix.

“O propósito não é gerar rivalidade, mas exaltar os corpos ali presentes. É um ambiente onde a gente se potencializa, celebra a nossa existência, onde podemos ser quem somos verdadeiramente, sem julgamentos”, completa.

CULTURA BALLROOM E SEUS TERMOS

  • Fame Queens: trans femininas e travestis,
  • Buth Queens, homens cisgêneros gays. 
  • Houses: São casas que as participantes representam. 
  • Mothers e fathers: fundadores das casas. São responsáveis por acolher as pessoas dando a elas estrutura emocional, econômica, além de ensinar os fundamentos da comunidade.

No ano de 2015, Fênix aprofundou os estudos na cultura e chegou a desenvolver um projeto pioneiro de dança vogue em Maceió, sua cidade natal.

Porém, ela entrou de fato na comunidade em 2017, quando veio morar em São Paulo e conheceu a casa norte-americana House Of Zion – os grupos que participam do universo ballroom pertencem às chamadas ‘houses’ que reúnem as participantes. Desde o início do ano, ela superviona a casa de Mandacaru que tem origem em Pernambuco e abriu um capítulo na capital paulista.

“Existem duas cenas na ballroom, sendo a mainstream, formada por casas veteranas, reconhecidas como legendárias e icônicas, e a cena kiki, formada por casas mais jovens fundadas após os anos 2000”, diz.

A artista descobriu que, além da dança, a comunidade também era fortemente integrada à educação sexual, abordando temas relevantes como o HIV e a AIDS, desde os anos 1980, época em que pessoas LGBTs, pretas e periféricas eram taxadas como as principais transmissoras.

Fênix conheceu a arte em 2015
@Divulgação

A partir da reflexão desses estudos, Fênix sentiu a necessidade de fazer um teste de HIV e para a sua surpresa, o resultado foi positivo.

“Fiquei totalmente sem chão, assustade. Quando retornei a São Paulo em 2017, enfrentei dificuldades financeiras e emocionais. Ao receber o convite para integrar a House of Zion (casa norte-americana), me senti acolhide e disposte a seguir em frente tentando realizar meus sonhos e cuidar de mim”, completa Fênix.

A CENA NO BRASIL

Os primeiros registros de uma ball no Brasil são de 2015 e, desde então, o movimento ganhou força nas periferias. Já é possível ver balls organizadas por houses brasileiras em várias regiões do país. A maioria não tem sede física e se consolida pelas redes sociais.

Os cursos de dança vogue também são acessados e oferecidos por coletivos independentes e escolas de dança profissionais. A essência do movimento não se modificou com o tempo e segue a mesma: celebrar a existência das minorias.

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Yki vive em Itaquera e também participa do ballroom
@Laura Lambert/Arquivo Pessoal

“É muito mais do que uma dança ou um baile”, afirma a multiartista Yki Custódio, 24, moradora de Itaquera, na zona leste.

“Cada ação narra uma história de luta e fazer parte desse movimento, conhecer pessoas com as mesmas lutas que as minhas, me fizeram validar a minha verdade”

YKI CUSTÓDIO, 24

Caloura na cena, Yki conheceu o movimento de forma espontânea e curiosa. Ela costumava se apresentar em casas de shows LGBTQIAPN+. Durante as performances, fazia movimentos característicos de vogue, sem sequer conhecer o estilo.

Assim que descobriu o estilo, Yki decidiu conhecer a história do vogue e, em consequência, acabou conhecendo também a ballroom. Mulher trans, travesti, preta e periférica, a identificação ficou ainda mais forte quando ela soube da ligação direta que o movimento tinha com as periferias.

“É uma comunidade constituída por pessoas em vulnerabilidade. São pessoas de baixa renda, vindas das periferias que não se enxergam na cisgeneridade e que usam esse espaço para a criação artística.”

CINCO PONTOS SOBRE A HISTÓRIA DO MOVIMENTO BALL ROOM

  1. A ballroom iniciou as atividades de fato por volta dos anos 1970. Porém, o contexto histórico vem dos anos de 1849 a 1869, na periferia norte americana do Harlem, em Nova Iorque.
  2. Artistas pretos, periféricos e fluidos de gêneros e sexualidades, vivenciavam um período pós-abolição da escravatura e manifestam suas emoções em potentes e revolucionários bailes à fantasia e de máscaras.
  3. Com o passar dos anos,  esses bailes foram criando novos cenários estéticos. Se antes o contexto era mais racial, nesse segundo momento, pessoas brancas e heterossexuais já estavam inseridas apoiando e patrocinando. 
  4. O resultado dessa interferência foi uma demanda mais comercial que fez com que os bailes se tornassem concursos de beleza com estereótipos embranquecidos e elitistas. O evento que nasceu sob influência de movimentos que celebravam a existência de corpos pretos, passou a ser racista. Mas havia uma pessoa disposta a mudar essa cena: Crystal LaBeija.
  5. Crystal foi uma mulher trans porto-riquenha que performava drag queen. É considerada a pioneira do movimento e a responsável por fundar a House Of LaBeija, a primeira casa da comunidade. Revoltada com as cenas de racismo que costumava presenciar nos concursos que participava, ela decidiu criar o próprio concurso de beleza, apenas para  participantes pretas e latinas, que ficaria marcado como o primeiro evento de Ballroom oficial.

Este texto foi originalmente publicado na Agência Mural.

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Redação Emerge Mag

Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e consultoria de diversidade e impacto social (ESG).

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