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As múltiplas mulheres do coworking Brava

26/10/2020

Espaço cultural e escritório compartilhado fomenta conexões e oportunidades de geração de renda com foco em gênero, raça e classe

Espaço cultural e escritório compartilhado fomenta conexões e oportunidades de trabalho com foco em gênero, raça e classe

Sabe aquela sensação de ser sempre a única mulher em uma reunião? Ou de ter que ficar se impondo, incessantemente, para que os homens escutem a sua palavra? Essas situações são comuns em muitos encontros corporativos, mas não quando acontecem na Brava, coworking e espaço cultural voltado a gerar conexões entre mulheres no mercado de trabalho e fomentar a discussão sobre desigualdade de gênero, interseccionando com raça e classe.

O manifesto da Brava contra o patriarcado começa já no nome. Hoje, significa uma ressignificação positiva do adjetivo para romper com o estigma da “mulher maluca”. Fabiana Kassabian, uma das fundadoras do coworking, explica:

“Nós, mulheres, estamos inconformadas e não vamos aceitar o que estamos vivendo por não ser o certo e nem o coerente – nós vamos realizar mudanças reais”

COWORKING BRAVA: APOIO E GERAÇÃO DE RENDA DELAS PARA ELAS

E as mudanças já estão postas na mesa. Uma das missões da Brava é reunir profissionais mulheres, física ou virtualmente, para que elas trabalhem lado a lado e consumam conteúdo, façam negócios e gerem renda entre si. A ideia é que uma fortaleça o trabalho da outra para o crescimento profissional e pessoal de todes. O público da Brava é vasto, vai de youtubers a advogadas, com destaque para profissionais autônomas das áreas de comunicação, artes visuais, fotografia e engenharia.

Além do serviço de locação de escritórios compartilhados, a Brava possui uma série de projetos. O Brava Sintoniza são cursos online onde convidadas ministram oficinas de vários temas, como criação e desenvolvimento de produtos criativos, produção de conteúdo para múltiplas plataformas, decolonialidade e discussões étnicos-raciais e, inclusive tarô e astrologia. A Curadoria de Corres consiste em uma seleção de perfis de mulheres, feitos semanalmente por uma convidada, que são divulgados no Instagram da Brava. Por sua vez, o Fala Brava é uma série de trocas e discussões transdisciplinar sobre a desigualdade de gênero.

Em todos os projetos, há a premissa de trazer mulheres para contar suas próprias histórias. Cabe destacar que a ideia é fugir do modelo engessado de talks, que costumam abordar questões identitárias, como “o ser mulher no mercado de trabalho”. Nas rodas de conversas da Brava, elas focam em habilidades que a mulher possui, que vai além de quem ela é – isso é importante para não hierarquizar as profissionais por formação acadêmica ou nível de experiência profissional, por exemplo. Fabi comenta:

“Na Brava, entendemos nossos privilégios e, assim, todas as ações precisam alcançar mulheres plurais, nos diversos recortes da sociedade de diferenças de raça, gênero e classe, para que mais mulheres consideradas à margem da sociedade tenham acesso e visibilidade no conteúdo produzido”

MULHERES SÃO MÚLTIPLAS

Fundada em junho de 2019 e localizada no bairro Campos Elíseos, na zona central de São Paulo, a Brava é gerenciada por Fabi, que hoje trabalha junto com Avessa Garcia, responsável pela gestão e conteúdo das redes sociais, e Laís de Abreu, diretora de projetos especiais e eventos. Apesar das três colaborarem diariamente na Brava, elas pontuam que nada é construído de forma individual e o negócio vai além do trio. Elas afirmam que a Brava só é possível por meio de ações coletivas e que as vivências e experiências delas se somam com o conhecimento de outras mulheres. A cocriação é uma tática para dialogar com mulheres de todo o Brasil, através de discursos e ações que contemplem recortes de raça e classe.

A Brava se posiciona como interseccional e decolonial – assim como a Emerge. Afinal, a homogeneização do gênero feminino também é uma forma de desumanização das mulheres e tende a invisibilizar aquelas que estão na base social. De acordo com a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, feita pelo IBGE em 2019, mulheres brancas ganham 70% a mais do que mulheres pretas. Por sua vez, a PNAD Contínua Trimestral, divulgada em agosto deste ano também pelo IBGE, apontou que as mulheres são as mais impactadas pelo desemprego na pandemia, com taxa média de 14,9%, mas ao analisarmos isoladamente as mulheres negras, a taxa salta para 33,2%. Outro estudo, realizado pela Gênero e Número, indicou que 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco – e, mais uma vez, a vulnerabilidade é maior entre as mulheres negras.

Diante dos fatos, a Brava discute problemáticas estruturais e estruturantes. Laís conta que as ações específicas não seguem as datas oficiais do calendário, como acontece na maioria dos lugares (sabe aquele lance comum em empresas de bem de consumo e veículos de mídia de fazer conteúdo sobre mulheres no mês de março e sobre negritude em novembro, mas no dia a dia da organização quem manda é o homem cis branco hétero? Então, isso é oportunismo e nada mais #ficaadica).

“Não queremos biscoito por nos posicionarmos da forma que nos posicionamos”, diz Laís. “É uma obrigação nossa ter essa responsabilidade.”

FUNDADO EM 2019, ESPAÇO ESTÁ LOCALIZADO NO BAIRRO CAMPOS ELÍSEOS, NA ZONA CENTRAL DE SÃO PAULO

E mais do que abrir as portas da Brava para as mulheres múltiplas, é sobre entender e colocar em prática que há pessoas com mais conhecimento e propriedade para falar sobre determinadas situações e vivências. “Ao construir uma organização com propósito, não trabalhamos para deixar um homem branco mais rico”, complementa Fabi. “Cada pessoa que chega coloca o que acredita dentro da Brava”. Uma das mudanças pensadas de forma conjunta foi implementar a linguagem neutra de gêneros gramaticais no conteúdo desenvolvido pela Brava para abarcar todas as existências, e textos alternativos nas postagens em redes sociais para que pessoas com deficiência visual também consigam acessá-los.

Para Avessa, a Brava fomenta redes de apoio no mundo real e faz um networking que escapa da lógica predatória ao enxergar afeto, acolhimento e luta como recursos para fortalecer a comunidade feminina dentro do mercado de trabalho. “Repensamos o que é esse mundo para que a Brava não seja um lugar de abusos e assédios, comuns no mercado corporativo”, diz Avessa.

SEM PREVISÃO PARA REABERTURA

É difícil imaginar como um coworking, que é basicamente um espaço fechado onde várias pessoas trabalham lado a lado ao longo dia, pode funcionar durante a pandemia da Covid-19, em que aglomerações não são recomendadas. E, realmente, não tem sido fácil para a Brava. De acordo com o trio fundador, a pandemia é o maior desafio enfrentado até hoje. Elas contam que tiveram que repensar as ações de um dia para o outro e criar formas de atuação digital para um negócio que tinha como base o encontro presencial.

POR ENQUANTO, AS ATIVIDADES DA BRAVA ACONTECEM DE FORMA VIRTUAL DEVIDO A PANDEMIA

Antes da Covid-19, o maior desafio da Brava era a sustentabilidade financeira, devido a organização oferecer valores acessíveis pelos seus serviços. Graças ao trabalho bem feito, o obstáculo foi superado e menos de um ano após a inauguração a casa se pagava com o faturamento do coworking e proveniente da locação do espaço para realização de cursos, workshops, palestras e até festinhas. Com a pandemia e o fechamento provisório da Brava, que não tem previsão para reabrir, elas precisaram dar um passo para trás. Fabi explica que ainda não é possível reproduzir o olho no olho e a interação que funciona em encontros presenciais no mundo digital, mas que elas estão encontrando meios de continuar com as trocas. Foi dessa necessidade, por exemplo, que surgiram iniciativas como a Curadoria de Corres e o Brava Sintoniza.

Mas a situação também trouxe oportunidades positivas, como a expansão da Brava para além do eixo Rio-São Paulo. Com foco no virtual, mulheres de outros estados estão participando das atividades – muitas delas do Norte e Nordeste. E, assim, que “bravas” seja também sinônimo de “bárbaras”, aquelas que fazem feitos extraordinários merecedoras de aplausos.

FOTOGRAFIAS: Kalinca Maki

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
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