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Banda paulistana resgata as origens negras do rock

11/01/2024

Conheça a banda paulistana Ki´Mbanda, que impressiona com som afrofuturista, em resgate às origens negras do rock.

Com reportagem de Antônio Moraes de Paiva

O gênero musical do Rock’n Roll têm profundas influências na cultura negra. A começar pelo fato de que o estilo, nos seus primórdios, nada mais era que uma junção do blues, jazz, rhythm & blues e country. As três primeiras categorias foram inventadas e perpetuadas entre a população negra estadunidense.

A música primogênita de rock, inclusive, é de uma mulher preta: em 1937, Sister Rosetta Tharpe — que na época era uma das poucas mulheres negras guitarristas — lançava Strange Things Happening Every Day, a primeira música de Rock’n Roll da história.

O que a banda paulistana de rock Ki´Mbanda faz, apesar de inovador em conceito, é na verdade um resgate à ancestralidade e às origens do gênero musical. Com o seu som, o grupo mistura elementos do Candomblé, Umbanda e Afrofuturismo, apresentando histórias dos Orixás e da visão do homem preto.

A banda é formada por KRISX no vocal, Demma Drumer na bateria, Rogério Luis no baixo, Yves Remont na guitarra e Marcos Guaruja e Anderson Kafe percussão. 

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YVES REMONT,  ROGÉRIO LUIS E KRISX: BANDA RESGATA AS ORIGENS NEGRAS DO ROCK

O projeto teve início em 2019, quando KRISX e Rogério quiseram montar uma banda cover de Living Colour, conjunto de rock estadunidense formado por músicos pretos e que fez muito sucesso a partir do fim da década de 1980. 

“Nos reunimos na casa do KRISX e foi onde conheci o Yves, com uma guitarra de sete cordas”, explica Rogério. A ideia era tocar em um evento específico, que acabou sendo cancelado. A conexão entre os integrantes nesse primeiro encontro, porém, rendeu frutos e o desejo de criar um repertório. 

“No final de 2019, conhecemos o Demma e pensamos em pegar os Afro Sambas, de Baden Powell, e fazer uma onda mais Rock n’ Roll”, comenta Yves. A música escolhida foi Canto de Ossanha e está disponível nas plataformas de streaming. 

Depois do primeiro ensaio, no entanto, veio a pandemia. O isolamento interrompeu os encontros, mas não o processo de criação. 

“Descobrimos um caminho extremamente original, que vinha das nossas essências e influências”, aponta Rogério. E foi por meio desse ambiente que o grupo foi encontrando seu som. Um exemplo disso é a guitarra de Yves, que é tocada de maneira mais rítmica e melódica, se aproximando do tambor. 

O próximo reencontro da banda foi definitivo, como mostra Yves: “Concordamos em fazer uma banda de rock, com temas do Afro Samba e com elementos de diáspora. Nisso, compusemos nossa primeira música, Hit your Head”. Eles também perceberam que precisavam de elementos percussivos nas músicas. Foi quando chamaram Anderson Kafe.

Faltava, então, um nome para a banda. “Espiritualmente, a banda existiu quando foi conclamado o nome”, explica KRISX. “As músicas vieram como consequência, assim como a concepção do projeto, de trazer a nossa ancestralidade e trabalhar isso dentro do rock e com o afrofuturismo”. 

Com a Ki´Mbanda, o vocalista conseguiu realizar o desejo de ressignificar sua história como pessoa preta dentro do rock e de retomar a essência desse gênero musical, que teve sua origem com artistas negros e negras.

Ele também mostra que o contexto foi fundamental para o desenvolvimento da banda: 2020 foi marcado por episódios de racismo no mundo todo, com o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos e de João Alberto Silveira Freitas, em Porto Alegre. KRISX percebeu o início de um levante da cultura preta que evidenciou a necessidade de um enfrentamento. Era preciso se movimentar.

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OS XIRÊS DA KI´MBANDA

Pouco tempo depois dos primeiros ensaios, a banda fez sua primeira apresentação, em agosto de 2021, no Centro de Culturas Negras do Jabaquara Mãe Sylvia de Oxalá, local onde nos encontramos para fazer a entrevista.

O repertório contou com composições autorais e versões de músicas com temas afrodiaspóricos, só que com a cara da banda. 

“Todas as forças, espirituais, oníricas, se aproximaram da gente nesse processo. As energias estavam prontas, só esperando a gente sentar e produzir”

KRISX, vocalista da Ki’mbanda

KRISX explica que o show da banda é um xirê, nome dado às cantigas de Candomblé e que é considerado como uma festa para os Orixás. Cada música é um ponto — outro termo para cantigas em celebração às entidades de religiões de matriz africana — , que falam de incorporações em si, com a ideia de ser a pessoa preta falando com seu próprio Orixá. Começam pela divindade Exú (em iorubá: Èṣù) e terminam com Oxalá (do iorubá “Òriṣànlá”).

INTEGRANTES DA BANDA EM ENTREVISTA: A KIM’BANDA FAZ UM SOM COM INFLUÊNCIAS ANCESTRAIS

Diferente do que muitos imaginam, o vocalista não é o principal compositor. “Ele é o cara que faz o corre, o trâmite de produção, pós-produção, marketing”, comenta Rogério. A maioria das letras e melodias são produzidas pelo baixista e por Yves. “Eu acho que eles escrevem uma essência totalmente próxima do que eu acredito. E quando eu pego a letra, é a minha verdade”, comenta o vocalista. 

São letras que falam sobre os enfrentamentos que uma pessoa negra passa durante sua vida, reforçando que ela não está sozinha, com incentivos ao aquilombamento. “Eu preciso dessa pessoa viva. Vai ter um momento que não teremos opção. Mas até chegar, precisamos nos resguardar, nos fortalecer”, aponta KRISX. “Trazemos para o nosso dia a dia, falamos da nossa vida, de amor também. São composições ligadas ao que nós somos”.

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QUILOMBO MUSICAL

Enfrentamento que também está presente dentro do ambiente musical. Todos trabalham há bastante tempo com música e sabem o que dá certo e o que não dá. Eles entendem os caminhos, sabem que terão inúmeras dificuldades e que é preciso encontrar uma brecha para fazer o processo musical acontecer. 

“Precisamos nos movimentar, meter cara. Nós somos um quilombo musical, nos mantemos e nos apoiando”

KRISX, vocalista da Ki’mbanda

Outro alicerce da banda é a ancestralidade, destacado nos elementos afrofuturistas presentes na sonoridade do grupo. Yves mostra a preocupação em se fazer uma linguagem nova, um som moderno com instrumentos modernos para o mundo moderno.

KIM’BANDA: O ROCK É PRETO E ANCESTRAL

“É uma arte preta, feita por artistas pretos, baseado em uma cultura de diáspora preta, resgatando a visão de um estilo originalmente preto, que foi usurpado. Usamos ele como ferramenta de regresso para onde ele sempre esteve”

Yves Remont, guitarrista e compositor da Ki´Mbanda

Com esse pilar fundamental, os integrantes esperam mostrar que o preto pode fazer rock. “Todos os segmentos onde tem música preta, a ancestralidade está à frente. É algo muito forte dentro da casa do preto”, aponta Rogério. Ele reitera como viver isso intensamente foi essencial para estarem aqui: “O universo preparou muito esses pretos aqui do meu lado. Quantas histórias, quantas realidades. Não nos cruzamos antes. Foi dia e hora marcada. Vamos deixar o legado”.

Os próximos passos da Ki´Mbanda são o lançamento de dois singles para o início do ano, incluindo a música Afronte, que está disponível para o prá-save. Além disso, deixaram um mistério no ar, ao mencionar um projeto que envolverá Gilberto Gil.

FOTOS: Rafael Felix

Quem escreveu

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Antônio Moraes

Um paulista-mineiro movido por cultura, esportes, gastronomia e espírito urbano. Graduado em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, com passagens pelo Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG Cultural) e Livraria da Travessa.

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