Em algumas ocasiões, ocupar os espaços que já existem não é o suficiente, é preciso criar novos. Foi assim que nasceu o Trans Fighter, evento que leva lutadores trans para o ringue e teve sua primeira edição no final de 2023, em São Paulo.
Mas mais do que um campeonato exclusivo para atletas trans, o evento inaugurou a Categoria T, exclusiva para esportistas da comunidade, usando de parâmetro o tempo de hormonização.
A idealização foi de Cris Macfer, presidente do Instituto Macfer e o primeiro homem trans nas Artes Marciais Mistas (MMA). Com dezoito anos de trajetória no esporte, o atleta pretendia criar um espaço que fosse seguro e estimulante para a comunidade trans, com base em propósito e não em violência.
A base para a Categoria T foi a tabela da World Professional Association for Transgender Health, associação voltada à saúde de pessoas trans. O documento faz a correlação entre a terapia hormonal com possíveis implicações na aquisição e perda de caracteres secundários do gênero, que podem estar aplicadas ao rendimento esportivo. São elas elementos como densidade óssea, ganho de força e redistribuição de gordura corporal.
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CATEGORIA PARA TODES
No Trans Fighter, os atletas foram separados em cinco subdivisões: Pré-T (atletas que não fizeram terapia hormonal); T1 (até um ano de terapia hormonal); T2 (entre um e três anos de terapia hormonal); T4 (entre três e cinco anos de terapia hormonal); e T4 (mais de cinco anos de terapia hormonal).
O método utilizado por Cris também visa identificar o nível de discrepância de rendimento dos atletas – validar se quanto maior tempo de terapia hormonal, maior o desempenho.
De acordo com a médica endocrinologista e doutora em ciências Juliana Gabriela, a Categoria T é uma forma cientificamente correta e humanizada de agrupar os atletas. Ela menciona que o processo tem duas fases: a de transição e a de manutenção.
Na primeira fase, o corpo está passando por mudanças que podem impactar na performance. Já na fase de manutenção, que em média acontece dois anos após o início da hormonização, a dose do hormônio está estável e os níveis sanguíneos controlados.
Devido as diferenças de fase, atletas em transição eram orientados a não competir na categoria de gênero autodesignado.
“A Categoria T inclui quem está na fase de transição, porém sem colocar na mesma categoria de quem já está na fase de manutenção”, afirma a Juliana.
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DIVIDIR PARA INCLUIR
No Trans Fighter, foram mais de 40 atletas inscrites (palavra em gênero neutro). “Não lutavam um contra o outro e sim um com o outro”, conta Cris.
Um destes atletas foi Derick Cruz, de 27 anos. Após o convite de Cris para participar do campeonato, o lutador conta que parou sua vida para se dedicar aos treinamentos. “Era o meu sonho participar de uma luta de MMA”, diz ele.
Foi um mês conturbado de preparação. Fraturou o ombro ao mesmo tempo que treinava várias vezes ao dia. A luta também foi uma gangorra de emoções. Depois da luta, muitas pessoas o procuraram, o que rendem boas amizades.
Seu oponente foi Leo Maluceli, de 22 anos, que aparece na foto que abre esta reportagem. Nascido em Recife, Leo mora em São Paulo e pratica artes marciais há cinco anos. Sua maior paixão é o jiu-jitsu. Apesar do medo, todes estavam felizes no evento, fazendo o que gostam sem se preocupar com detalhes pequenos.
Leo espera que, no futuro, não seja mais preciso separar lutadores trans e cis. Porém, no momento, ele percebe que esta separação se faz necessária. “O que o Cris fez é fundamental”, diz Leo. “Até então, não tínhamos a oportunidade de competir”.
Para Derick, a Categoria T é uma porta de entrada para as pessoas enxergarem que atletas trans existem. Ele comenta que se esta categoria existisse antes, talvez não tivesse parado de praticar artes marciais no passado. “É um acolhimento, para as pessoas se sentirem abraçadas e entenderem que podemos praticar qualquer esporte. Para que não aconteça com os outros o que aconteceu comigo”.
FOTOS: Rodarlen Rocha e Rafael Felix
EDIÇÃO: Teresa Cristina