Dos jogos digitais aos de carta e tabuleiro, games têm a capacidade de conscientizar e propor soluções a problemas da sociedade.
O maior diferencial de um jogo a outras mídias é o protagonismo que traz ao usuário, tomando ação em diferentes narrativas e explorando conceitos e ideias em primeira mão.
Segundo Paulo Freire, considerado pai da educação brasileira, o conhecimento é construído pelas interações em nosso meio social e meio ambiente. A brincadeira, nesse contexto, permite a vivência de experiências que usualmente não se teria contato.
Por exemplo, o princípio dos jogos de RPG (role playing game, no inglês) é encenar e sentir na pele um personagem, como um grande guerreiro ou um poderoso mago, em uma história que se desenrola a partir das escolhas dos jogadores.
Levando em consideração esses pontos, o potencial educativo desse meio é gigantesco e se aproveita dos games, aplicativos, jogos de tabuleiro, entre outros. A Emerge Mag BR pôde conhecer marcas e estúdios de jogos que se comprometem em fazer, através dos seus produtos, um impacto positivo na sociedade.
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NOS JOGOS, REPRESENTATIVIDADE TAMBÉM IMPORTA
Um processo de educação muito usado atualmente é a gamificação, que usa a dinâmica de jogos para incentivar e ensinar de forma lúdica. Isto é utilizado tanto nas salas de aula, quanto no ambiente de trabalho, fazendo o uso de simulações e competições para estimular conhecimento e atingir resultados.
Através dos temas abordados em jogos, por exemplo, é possível apresentar a diversidade e promover inclusão. O jogo de cartas Favela Venceu, do estúdio Maloca Games, ilustra bem essa possibilidade. Nele, os jogadores competem para construir e desenvolver uma favela que forneça qualidade de vida e estrutura.
A Maloca Games é uma marca de jogos de tabuleiros baseados na cultura afro-brasileira, criando jogos que celebram aspectos da cultura negra e aumentam a conscientização de maneira positiva.
Dando o nome de “Afrogames”, o objetivo da marca é criar jogos de tabuleiro em que a comunidade das periferias e pessoas pretas se identifiquem e se vejam representados, além de viabilizar jogos de qualidade para pessoas de baixa renda.
Rennan Gonçalves, um dos fundadores da Maloca, conta que a ideia dos Afrogames é trazer protagonismo aos povos marginalizados e o afrocentrismo para o cenário dos jogos de tabuleiro. O desafio, segundo ele, é a falta de empresas focadas nisso.
Acima de tudo, os jogos da Maloca buscam conscientizar para problemas contemporâneos sem focar muito nos aspectos negativos. No Favela Venceu, a dinâmica está na manutenção de uma comunidade: saúde, educação, segurança e outros temas são explorados e os jogadores são convidados a explorarem a cultura da favela.
Em outro jogo de cartas da marca, o Axé: a Energia dos Orixás, o jogador tem que acumular o máximo da sua energia (axé), representado por uma das três cores nas cartas. Em religiões afro-brasileiras, o termo representa a energia sagrada dos orixás, divindades da religião iorubá.
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O PODER DA LINGUAGEM
No meio digital, há um potencial maior de impacto social dado o grande número de gamers. A Pesquisa Games Brasil indicou que 70% dos brasileiros jogam algum tipo de jogo eletrônico; 59% desses jogadores se consideram não-brancos (pardos, pretos, amarelos, indígenas e outras etnias).
São muitos os exemplos de jogos digitais com mensagens de impacto, como Shadow of the Colossus, The Last of Us e Life is Strange. Eles carregam conceitos de preservação, autoconhecimento e diversidade, entre outros temas relevantes para a vivência contemporânea.
Um exemplo mais atual e independente é o jogo em pixel art Master Lemon, da Pepita Digital, um game sobre autodescoberta e o valor de idiomas estrangeiras. Criado por Julio Santi, é o primeiro jogo da Pepita e já ganhou o prêmio “Pitch for Change Award“, no festival Games for Change América Latina Award, que reconhece games de impacto social no continente latinoamericano.
Master Lemon é sobre as aventuras do personagem Limão em uma ilha desconhecida, sem memória de nenhum idioma. O objetivo é reaprender a linguagem enquanto explora a região, um lugar fantástico em que os idiomas e as culturas nascem.
O jogo apresenta culturas marginalizadas de maneira criativa e possibilita a degustação de um pouco de suas línguas. Da cultura Maori a polonesa, o usuário aprende palavras em quests (missões, na linguagem gamer) e as usa em diversos cenários.
Até mesmo palavras do português são introduzidas nas missões, como é o caso de “Gambiarra”. O jogo traz o significado do termo — improviso de juntar coisas para criar algo novo — que é usado como um comando durante as quests. Agora, como já se pode imaginar, a gambiarra pode dar certo ou não.
Segundo Julio Santi, Master Lemon é um jogo em que se pode conhecer novas culturas e a si mesmo. Também é uma homenagem a um falecido amigo do apelidado de Limão, que era um poliglota.
INOVAÇÃO NA ÁREA SOCIAL
A capacidade educativa que os jogos têm ainda é um campo fétil para novas ideias. Segundo Gilson Schwartz, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e presidente da ONG Games for Change na América Látina, os games podem conectar alunos, artistas e desenvolvedores a um nível internacional.
Em uma entrevista para a Gama Revista, Schwartz apontou meios de inovação a partir dos jogos, como os games que não foram desenvolvidos para salas de aula, mas que podem ajudar os estudantes a compreender assuntos que serão debatidos na matéria.
Pegando exemplos de jogos, como Sim City e Age of Empires, o professor diz que os jogos podem complementar o ensino dos jovens e estimular habilidades e competências, como leitura, senso crítico e lógica.