A chegada da internet e das redes sociais ampliou a ideia da “aldeia global”, proposta por Marshall McLuhan, um dos teóricos da comunicação do século XX, em 1960. A internet democratizou os meios de comunicação, permitindo que grupos e comunidades marginalizadas e sub-representadas pudessem ter não só mais acesso à informação, como voz e espaço para divulgar suas histórias, opiniões e perspectivas.
Os portais independentes de jornalismo contribuíram significativamente para a construção desse novo paradigma. Esse jornalismo não só deu nova cara às fontes, como tem desempenhado um papel importante na cobertura de questões sociais, políticas e de direitos humanos que muitas vezes são ignoradas pela mídia hegemônica.
Mas ao mesmo tempo, esses portais enfrentam desafios e limitações que ameaçam sua continuidade e a qualidade do trabalho. Os veículos de jornalismo independente têm buscado diferentes fontes de receita para se sustentar, como publicidade, patrocínios, eventos, assinaturas, merchandising e financiamento coletivo. Diversificar as fontes de receita ajuda a reduzir a dependência de uma única fonte e aumenta a resiliência financeira. Mas esses veículos precisam de mais.
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Para fazer frente a essa crise e considerando a importância do jornalismo em sociedades democráticas, diversas propostas para garantir a sustentabilidade das redações têm sido apresentadas, dentre as quais aquelas que criam obrigações de remuneração de intermediários de conteúdo na internet, como Facebook, Twitter e outros.
O Projeto de Lei nº 2630/2020 (PL das Fake News), atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, traz artigo que trata especificamente da remuneração do jornalísmo pelas plataformas, prevendo negociação direta e remuneração com base em direitos de autor.
Essa proposta, contudo, está localizada em um único artigo, genérico, e deixa pouco claro como essa remuneração se dará na prática. O que será considerado jornalismo? Qual uso ensejará remuneração? Quem fará a fiscalização e como? Os acordos serão individuais com cada veículo ou entidade arrecadadora?
Essas são algumas das questões que se levantam e que não podem ser consideradas mero detalhe. Caso feita de forma apressada e sem a devida participação dos veículos, incluindo mídias independentes, a remuneração do jornalismo proposta pelo PL das Fake News pode acabar concentrando ainda mais as verbas jornalísticas nas mãos dos oligopólios midiáticos, além de manter o modelo de superexploração dos profissionais e até afetar a liberdade de imprensa, por dar poder excessivo para as plataformas.
O relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) prometeu buscar até o dia da apreciação da proposta no Plenário uma redação mais justa e exata.
Por isso, as entidades que atuam pelo direito de acesso à informação, bem como aquelas que defendem o jornalismo por entenderem sua relevância para a democracia, têm levantado uma série de questionamentos sobre o texto proposto, mas sem se distanciar da necessidade de se pensar uma política de sustentabilidade para o jornalismo, que fomente a pluralidade, incentivando sobretudo as pequenas e médias, e que seja capaz de responder às demandas do ecossistema da mídia no país e combater a desinformação
É preciso aprovar o PL nº 2630/2020, mas lembrar que só este projeto de lei não salvará o jornalismo. O PL nº 2630/2020 é uma oportunidade de levar essa discussão adiante.
De modo independente, a Emerge Mag sugere que aproveitemos o momento para ampliar o debate sobre a sustentabilidade do jornalismo. Acreditamos que é preciso criar programas de financiamento específicos para veículos de mídia independentes, fornecer subsídios, bolsas e outras formas de apoio financeiro, para garantir investimento a jornais e revistas que estejam com sua existência ameaçada, incentivar uma maior cobertura jornalística em áreas de baixa cobertura, apoiar e dar suporte ao desenvolvimento editorial de sites jornalísticos independentes. A exemplo do que é feito para os setores culturais via leis de fomento.
Incentivos deste tipo já acontecem em países da europa, com regras justas, transparentes e sem amarras ao governante de plantão. Trata-se de uma política de Estado de valorização da informação e proteção da democracia e dos Direitos Humanos.
FOTO DE ABERTURA: Kalinca Maki.
Emerge Mag
Especialista em contar histórias reais de beleza, criatividade, resistência e empoderamento, além de investigar iniciativas artísticas, culturais e empreendedoras realizadas por mulheres, LGBTQIA+, negros e PCDs em territórios periféricos e urbanos.