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O Axé de Isa Isaac Silva

07/02/2019

Estilista baiana, Isa Isaac Silva, que veste de Liniker a Maga Moura, ascende frente às contradições do mercado de moda brasileiro.

Nas últimas semanas, a estilista Isaac Silva escutou muita música baiana dos anos 70 e 80. Foram faixas da Banda Reflexu’s, Banda Mel, Olodum e Ilê Aiyê — este último, o mais antigo bloco afro do carnaval de Salvador. Além do estrondoso conjunto de percussão e vozes potentes, as músicas têm em comum contar histórias da ancestralidade africana. São obras populares como Madagascar Olodum e Faraó, Divindade do Egito.  

Ouvir música faz parte do processo criativo de Isa. Após coleções como Dandaras do Brasil, uma homenagem a todas as mulheres com a força da rainha guerreira do Quilombo dos Palmares, e As Yabás, que fazia referência às orixás femininas, como Iemanjá e Oxum, a nova criação retoma o Antigo Egito. As peças, repletas de rosa, verde e amarelo, refletem o espírito de carnaval da estilista.  

“Observo o que os povos antigos conquistaram para resgatar a minha ancestralidade. Busco referências na cultura afro-indígena, baiana e miscigenada”

Isa Isaac Silva, estilista

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As roupas desenvolvidas por Isa são feitas para vestir mulheres fortes, como ela mesmo diz. Entre suas clientes mais famosas estão Elza Soares, Camila Pitanga, Liniker, Djamila Ribeiro e Maga Moura, entre outras artistas, influenciadoras e intelectuais.

Em 2019, Erica Malunguinho usou um vestido de Isa na sua diplomação como Deputada Estadual de São Paulo. A peça foi feita em parceria com a também baiana Adriana Meira.

Mais do que público-alvo numa visão de negócios, as mulheres são as grandes inspirações de Isa. Também estão em sua lista de referências Xica da Silva, Linn da Quebrada, Luedji Luna e a escritora Dona Jacira. 

“Admiro todas as mulheres brasileiras, exemplos de beleza, garra e inteligência, que galgam espaços na economia e política e cuidam da criação dos filhos, mesmo frente a diversas dificuldades” 

Isa Isaac Silva

E só não vê a força delas quem não quer. De 2001 a 2015, o número de famílias chefiadas por mulheres mais que dobrou, passando de 14,1 milhões para 28,9 milhões, de acordo com dados do IBGE. Elas são responsáveis financeiramente por 40,6% dos lares brasileiros — no Nordeste é 42,9%. As mulheres também possuem maior nível de educação superior e aumentaram a participação no mercado de trabalho nos últimos anos, mesmo ganhando menos que os homens.  

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A SALVADOR DO ROCK E RAVES

Nascida em Barreiras, cidade do interior da Bahia distante 800 quilômetros de Salvador, Isa cresceu rodeado por mulheres. Aos 14 anos, ela deixou de ser a adolescente que brincava no rio para viver na efervescente capital do estado. O ano era 2000, e cidade não era mais do axé, sim do rock e da música eletrônica. 

COLEÇÃO AS YABÁS: homenagem às orixás femininas, como Oxum e Iemanjá

Nos festivais de música e festas raves, ela se descobria: encontrou o primeiro beijo, a primeira transa e o processo de se revelar pessoa LGBTQIA+. O apreço por moda também floresceu ali. Era uma maneira de se diferenciar. Sem acesso as grandes marcas, Isa customizava roupas que sua mãe ganhava para ir para as festas.

Naquela época, suas influências já eram mulheres, mas aquelas ligadas ao rock internacional, como a estilista Vivienne Westwood e as cantoras Debbie Harry e PJ Harvey. Logo, começou a fazer cursos gratuitos de moda da região. O último foi na Universidade de Salvador.

Preparada, a filha de Iemanjá decidiu vir para São Paulo em 2010. A ideia era bem modesta: ter um emprego e independência. Num lugar em que “nordestino” ainda é usado como xingamento, a realidade foi bem mais dura. Aqui, a baiana negra se deparou com a xenofobia e o racismo. Seu currículo era escanteado. As empresas contratantes preferiam pessoas formadas em faculdades paulistanas tradicionais, como Santa Marcelina e FAAP, em que a maioria dos alunos são brancos e de alta renda.

A empregabilidade no mercado de moda brasileira funciona num círculo. Como as marcas tendem a contratar sempre o mesmo perfil de profissionais, estes, quando chegam em posições de liderança, contratam seus os iguais para suas equipes. Dessa forma, o racismo institucional se perpetua. 

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A vida de Isa começou a mudar quando se tornou assistente do amigo e estilista Weider Silveiro, numa marca de moda feminina. Depois, foi trabalhar numa confecção no Bom Retiro, inclusive teve que aceitar receber menos do que estava proposto no anúncio da vaga.  

Na confecção, Isa desenhou peças que eram vendidas no atacado para marcas como Iódice, Le Lis Blanc, MOB e Riachuelo. Num único mês, a Dafiti, outra cliente da confecção, comprou mais de 2.000 modelos desenvolvidos por ela.

Com o tempo, Isa entendeu como funcionava o mercado de moda. Ela diz que não existe, de fato, uma indústria da moda, mas sim um pequeno nicho de criação, que abastece um vasto comércio. Dentro da cadeia, há as indústrias têxteis e as fabricantes, como Grupo Guararapes (Riachuelo), Malwee e Restoque, que desenvolvem roupas em larga escala.  De acordo com Isa, essas grandes empresas ainda estão muito longe de constituírem uma real indústria da moda.  

“As grandes fabricantes nacionais fundaram algum museu de moda? Não. Criaram faculdades de moda? Não. Há grandes projetos de cultura afro, indígena e de outros povos que formaram o Brasil? Não. Então não fazem moda, só fabricam roupas em larga escala”

Isa Isaac Silva

Ela também pontua que as grandes empresas do setor não incentivam jovens talentos, como acontece em outros países. Por exemplo, a LVMH, holding controladora da Louis Vuitton, possui parceria com a escola de design Parsons, de Nova York, para contratar estagiários.   

De acordo com Isa, o próprio método de pesquisa das marcas brasileiras é falho. Ela acentua que é comum grandes marcas bancarem viagens internacionais para estilistas que, simplesmente, compram peças em lojas como Zara, Topshop e Primark e, ao retornar para o Brasil, as copiam para vender por aqui.  

“O mercado de moda brasileiro mais reproduz coleções de outros países do que investe em pesquisa de moda como antropologia. Há pouquíssimo incentivo a profissionais que realmente entendem o que os jovens estão ouvindo, conversando, vivendo e comendo”

Isa Isaac Silva

UM OLHAR PARA O PASSADO PARA RETRATAR O NOSSO TEMPO

Isa pontua que pesquisas baseadas em vivências em diferentes regiões são pouco viáveis devido o custo. Porém, há estilistas emergentes criando coleções originais. Ela costuma se unir a pesquisadoras, como Neon Cunha, ativista amiga de longa data, e Luiz Mott, antropólogo e fundador do Grupo Gay da Bahia, uma das principais instituições LGBT do Brasil.

No primeiro semestre do ano passado, o tema da coleção de Isa na Casa de Criadores foi a violência contra pessoas trans. Um das homenageadas foi Xica Manicongo, a primeira travesti não indígena identificada Brasil, mencionada num carta enviada do Brasil para Portugal em 1591. No desfile de Isa, todas as modelos eram trans, entre elas a cantora Urias.

NEON CUNHA, ISA E URIAS: a estilista fez desfile com homenagem a Xica Manicongo, primeira mulher trans não indígena identificada no Brasil, em 1591 (Foto: Marcelo Soubhia/ FOTOSITE)

A moda de Isa é política. Há preocupação de refletir as emoções e tensões do nosso tempo, perpassando fatores econômicos e sociais. Hoje, a estilista prioriza fornecedores de tecidos nacionais, com foco em materiais naturais, como o algodão. A escolha é uma questão de sustentabilidade, tanto ambiental quanto social. Os fornecedores têm certificados de que empregam profissionais com remuneração justa, desde o produtor rural a equipe fabril.

Os últimos desfiles de Isa tiveram patrocínio da Sou de Algodão, entidade que incentiva o uso da fibra natural. Boa parte dos recursos foram usados na criação de sua loja, inaugurada em dezembro, no bairro da Santa Cecília, em São Paulo.

Empreendedorismo é outro desafio que Isa tem superado. A loja foi aberta sem sócio investidor ou empréstimo bancário. Para complementar os custos, ela aplicou recursos próprios e contou com ajuda de familiares e amigos.

Embora não goste de segmentar o tempo em anos, e sim o encarar como uma sequência de acontecimentos, quando questionada sobre o que espera de 2019, Isa responde que só deseja se manter saudável. É a sua verdade.

FOTOS: Kalinca Maki
Reportagem atualizada em 20 de agosto de 2024.

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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