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A 1ª Marcha do Orgulho Trans pelas lentes de Bernoch

08/06/2018

Fotógrafo paulistano, que apresentou sua primeira exposição nessa semana, conta suas impressões sobre o ato e traça um panorama dos desafios da população trans

Quando reflete sobre fotografar, a mente de Bernardo Enoch Mota, de 24 anos, o Bernoch, entra em ebulição. Capturar frames da vida é a sua paixão. No entanto, ele leva a atividade mais como um hobby do que trabalho. Acontece que, por alguns segundos antes do estalar do obturador, ele tem receio de exagerar ao trabalhar com a câmera e perder a aura mágica que o envolve quando se conecta ao retratado.

Essa semana, ao lado de Lucy Lazuli e Sladka, Bernoch ganhou sua primeira exposição. Batizada de Corpos Desobedientes, a mostra apresenta retratos de pessoas que não correspondem ao padrão cisheteronormativo (intersexuais, travestis, transgêneros, transexuais e não-binários).

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“São esses corpos transformadores da ordem, responsáveis por uma revolução, condutores de sua própria luz, os quais fazem de sua monstruosidade a essência da sua beleza”, diz o texto de apresentação da exposição, que fica aberta até o dia 26 de junho, na Ação Educativa (Rua General Jardim, 660, Vila Buarque).

Atualmente, Bernoch faz parte do Coletivo Transformação, que visa debater e combater diferentes formas de opressão. O projeto desenvolve uma série de atividades, como oficinas e o Transarau. Em março de 2017, o coletivo lançou o livro Antologia Trans, que reúne 44 poemas de 30 autores. O lucro obtido com a venda do livro tem sido revertido para manter as atividades do Transformação.

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Bernoch, que deseja trabalhar com audiovisual, também integra a equipe da revista independente Fearless Magazine, feita por e para LGBTQ+.

No dia 1 de junho, Bernoch esteve na 1ª Marcha do Orgulho Trans de São Paulo, evento que pretende dar visibilidade à comunidade de transgêneros, travestis e transexuais. Veja os cliques do fotógrafo e leia seu depoimento.

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Por muito tempo, eu me questionava porque deveria ter orgulho de ser LGBT, se era algo tão normal para mim e para a bolha em que eu vivia. Até que deu um click e pensei que muitos de nós morrem e sofrem pelo simples fato de estarem dentro dessa sigla. E, ainda assim, muitos de nós saem nas ruas, dão a cara a tapa e não voltam para o armário. E é esse o motivo do orgulho. Orgulho de não ter medo de ser quem é.

E isso tem acontecido cada vez mais com as pessoas T. Mesmo entre as “passáveis”, que poderiam “se esconder”. Estamos deixando claro quem e como somos, mesmo vivendo no país que mais nos mata. E ter uma marcha só faz a gente mais forte e unido. É bom ir num lugar e não sentir que é o único trans. E ver um monte junto é ainda melhor.

Acredito que uma das maiores conquistas recentes foi a facilitação da mudança do nome nos documentos. O tema também está mais presente na mídia, mesmo que, às vezes, de forma muito padronizada e quadradinha – o que não condiz com a realidade geral da população trans. De qualquer forma, isso levanta o diálogo e nos torna cada vez menos invisíveis.

No entanto, há enormes desafios. E o maior é a sobrevivência (só em 2017, uma pessoa trans morreu a cada 2 dias). A maioria, quando se assume trans, acaba perdendo família, não consegue mais emprego e, em alguns casos, recorre à prostituição. Esse panorama reforça a ideia de marginalidade que envolve as pessoas trans – e nos fecha ainda mais portas.

E não é vitimismo. Realmente, pessoas trans têm pouquíssimas oportunidades de levar uma vida vista como digna. Ao mesmo tempo, há momentos que você acha que está tendo uma oportunidade legal, mas acaba sendo explorado, porque sabem que ou você aceita aquilo (o pouco) ou não vai ter nada.

Devido à imagem marginalizada que criam de nós, de que somos incapazes, há muitas empresas que não nos aceitam. E, quando querem, geralmente, é para aproveitar a vulnerabilidades da vida trans. A nossa causa costuma ser usada para fins publicitários, mas quantas pessoas trans e travestis estão sendo ajudadas e integradas de fato à sociedade?

Acredito que a solução parte de nós, trans, para mostrarmos que podemos sim ser o que quisermos ser, ao mesmo tempo que podemos fazer tudo o que pessoas cisgêneras fazem – mesmo sofrendo um mundo de preconceito.

E as pessoas cis, que estão de coração aberto de verdade, precisam reconhecer privilégios e assumir a responsabilidade para nos oferecerem oportunidades e terem um pouquinho de empatia.

FOTOS: Bernoch

Quem escreveu

Picture of Italo Rufino

Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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