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A direita tenta se aproximar do funk na corrida eleitoral

29/08/2024

Ouvimos ativistas, acadêmicos e influenciadores da base do funk para contextualizar a relação de políticos de direita e a cultura periférica.

A cidade de São Paulo possui quase 2,5 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos, o que representa mais de 20% da população. Como era de se esperar, os distritos com maior número de jovens são os de periferias. Somente Grajaú (zona sul), Sapopemba (leste) e Brasilândia (norte) reúnem 226.387 deles, de acordo com dados de 2023 do Seade. 

De olho nesse contingente — potenciais eleitores na embolada corrida eleitoral a prefeito de São Paulo — estão candidatos de direita. Recentemente, bombou nas redes sociais vídeos que demonstram como Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB) veem o funk como uma oportunidade de ganhar votos. A tática também é uma tentativa de reduzir a imagem de aversão às periferias. O movimento dos políticos se dá via articulações com donos de grandes produtoras de funk, empresários bem distantes da base do movimento enquanto cultura.

Comecemos por Nunes. Em fevereiro, o candidato e atual prefeito se encontrou com Rodrigo Oliveira, presidente da produtora de funk GR6. A prefeitura e a empresa se uniram para um projeto de restauração de 40 quadras esportivas da capital. A quantidade remete aos 40 milhões de seguidores que a produtora soma em seus canais digitais em bairros Cada inauguração, teria a participação de um músico da produtora.

Em 14 de agosto, o candidato Pablo Marçal foi recebido no estúdio da Love Funk, na zona leste, onde se encontrou com o empresário Henrique Viana, o Rato da Love. Os dois posaram para fotos e vídeos, além de ironizar o candidato Guilherme Boulos (PSOL), com o uso de uma carteira de trabalho.

LEIA MAIS: Dentro e fora dos palcos. O corre das mulheres no funk

Importante lembrar que Nunes e Marçal competem pelo mesmo perfil de eleitor, na tentativa de retirar Boulos da liderança nas intenções de voto. Segundo a última pesquisa da Quaest, publicada ontem (28/8), os três candidatos estão tecnicamente empatados: Boulos com 22% e Nunes e Marçal com 19%. Os números da DataFolha, de 23/8, são parecidos: Boulos (23%), Marçal (21%), Nunes (19%).  

SOM DE PRETO E FAVELADO: aproximação de políticos de direita gerou revolta em muito funkeiro com consciência social (Foto: Vincent Rosenblatt)

POLÍTICA PÚBLICA PERVERSA

De acordo com Renatta Prado, pedagoga, coreógrafa e fundadora da Frente Nacional de Mulheres no Funk [fonte da Emerge em diferentes matérias], as movimentações de Pablo Marçal e Ricardo Nunes representam mais uma aliança empresarial. Para piorar, ao se unir com as grandes produtoras, os políticos dão indícios de que pode haver centralização em poucas empresas de verba pública destinada ao funk. Durante uma entrevista recente ao Alma Preta, Renatta apontou que os candidatos de direita estão fomentando uma política pública “perversa” para o mercado da música.

“Negociações com grandes empresários do funk favorecem unicamente o setor privado, excluindo totalmente a participação social do movimento funk, que não está inserido nas estruturas mercadológicas da música”

Renatta Prado, fundadora da Frente Nacional de Mulheres no Funk

Para Tarso Oliveira, historiador e músico, os candidatos estão tentando associar as suas imagens à ascensão social e prosperidade econômica, abordada nas músicas das grandes produtoras. Em posts explicativos no Instagram, onde soma 15 mil seguidores, Tarso diz que a ideia é dos políticos de afirmar que, igualmente ao funk, votar em determinado candidato também é uma alternativa para sair da pobreza. Porém, Tarso deixa nítido que o conteúdo é apenas uma estratégia de marketing eleitoral, sem preocupação genuína com o movimento.

“O funk atinge, conscientiza e também entretém a grande maioria da classe trabalhadora do país. Políticos usam o funk para se aproximar de você”

Tarso Oliveira, historiador e músico

A repercussão das articulações entre Marçal e Nunes com as produtoras gerou revolta em muito funkeiro com consciência social. O público, inclusive, cobrou posicionamento de grandes artistas. Um dos poucos a se manifestar MC Hariel, que produz músicas com GR6 há mais de oito anos.

“Você, que é o público e nos ama, toma cuidado com essas bocas de urna cibernética. Mesmo que, infelizmente, veja pessoas que ama e admira a história de vida se juntando com esse tipo de gente”

MC Hariel

Mais ligado ao Rap, mas ícone da música brasileira, Mano Brown, dos Racionais MCs, comentou que a aproximação dos candidatos de direita era previsível. “Eu falei para vocês que os bagulhos estavam mudando e que nós tínhamos que antecipar os caras”, disse ele no Instagram. “E que os nossos iam tomar decisões contrárias às nossas”.

ASCENSÃO SOCIAL: funk é possibilidade de prosperidade econômica para as periferias — e políticos desejam essa representatividade (Foto: Reprodução MC Paiva)

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DIREITA E O FUNK: OMISSÃO E VIOLÊNCIA

Importante lembrar quem são os vices dos candidatos de direita. O de Nunes é Ricardo Mello Araújo (PL), coronel da PM, ex-comandante da Rota e indicado a dedo pelo ex-presidente Bolsonaro. Em 2017, Araújo defendeu a diferença de tratamento em abordagens policiais nos Jardins (área nobre de São Paulo) e na periferia.

RENATTA PRADO: conexão entre políticos e donos de produtoras é uma aliança estritamente empresarial (Foto: Rafael Felix)

Já Marçal tem Antônia de Jesus (PRTB), 45 anos, mulher, negra, nascida na Bahia e moradora de Pirituba, periferia da zona noroeste da cidade. Católica, ela já destacou ser contrária ao aborto e sugeriu que quem recorre à prática são jovens que passam muito tempo “à toa”.

A ocupação dos vices está diretamente ligada ao funk, mas de forma negativa. Como uma manifestação cultural de origem negra e de periferia, o funk é associado à criminalidade pelas forças policiais, o que motiva ações truculentas e agressões em bailes.

Um dos casos mais emblemáticos foi o Massacre de Paraisópolis, em dezembro de 2019. Na ocasião, policiais militares interromperam um baile funk, que reunia entre 5 mil e 8 mil pessoas, com bombas de gás e balas de borracha. Na correria em meio ao pânico, centenas de jovens ficaram encurralados numa viela. Nove deles morreram, sendo oito por asfixia e um por traumatismo.

Há também casos famosos de omissão. Entre 2010 e 2012, cinco funkeiros (quatro MCs e um DJ) foram assassinados na Baixada Santista, litoral de São Paulo. Os crimes nunca foram solucionados. Um dos casos mais tocantes é o de MC Primo, morto com 11 tiros na frente dos filhos de cinco e nove anos. A arma usada passou dez anos sem ser periciada. Em 2022, foi descoberto que a arma era de propriedade da Polícia Militar, e portada por um cabo da corporação na época do crime.

Para o influencer digital e produtor musical Ahtyrone, a criminalização do funk por forças de segurança pública é pautada na negação às periferias de espaços de articulação e desenvolvimento sociocultural. “Pablo Marçal apoia a PEC que pode transformar as Guardas Civis Municipais em Polícias Militares Municipais”, diz Ahtyrone.

Quando o assunto é atuação de parlamentar deliberada contra o funk, São Paulo já tem expoentes. Um deles é o vereador Rubinho Nunes (União Brasil). Uma das suas principais causas, na câmara e redes sociais, é a criminalização e encerramento de bailes funks gratuitos e públicos.

Numa discussão em comentários do Instagram, Rubinho, ao se referir ao baile que acontece na Favela do Heliópolis, disse que a periferia deveria ser invadida e demolida. Na mesma ocasião, disse que os moradores eram “invasores”. Atenção: o União Brasil, que abriga Rubinho, é um dos partidos cobiçados por Ricardo Nunes para integrar a sua coligação.

As falas do vereador tem gerado conflitos com o youtuber e sociólogo Thiago Torres, mais conhecido como Chavoso da USP. Thiago diz que a estratégia do vereador é colocar os moradores de favelas uns contra os outros, conquistando aqueles que são contra os bailes funks.

“[No caso do vereador Rubinho Nunes], o baile funk é só o bode expiatório usado para atacar toda a favela”

Thiago Torres, o Chavoso da USP, sociólogo
FRENTE ESTADUAL PARLAMENTAR DO FUNK: valorização de movimentos culturais marginalizados (Foto: Rodrigo Romeo)

REPRESENTATIVIDADE LEGÍTIMA

No dia 14 de agosto, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, houve o lançamento da Frente Estadual Parlamentar do Funk. A iniciativa é liderada pela deputada estadual Ediane Maria (PSOL). Entre os apoiadores, estão Eduardo Suplicy, Leci Brandão, Paula da Bancada Feminista, Andrea Werner e mais 15 deputados e deputadas; desses 11 são do PT e 4 do PSOL.

De acordo com Ediane, a frente é fundamental para valorizar movimentos culturais historicamente marginalizados. Ela também defendeu a existência de mais espaços públicos de cultura. “O nosso objetivo é ouvir as várias vozes que ocupam o funk e que ocupam a periferia”, diz ela.

“Estamos fazendo um trabalho coletivo para que o funk tenha o seu lugar de respeito na história da cultura popular brasileira”

Ediane Maria, deputada estadual de São Paulo

O evento de lançamento contou com a participação de artistas, intelectuais e militantes, entre eles Renatta Prado e Chavoso da USP. Na data, Chavoso disse que é necessário reconhecer que há, sim, políticos que de fato lutam pelas pautas da periferia. “É o caso da deputada Ediane Maria”, afirmou ele.

Edição: Italo Rufino
Foto de abertura: Felipe Raul/Agência Estado

Quem escreveu

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Guilherme Schanner

Graduado em jornalismo pela Universidade Mackenzie, gosta de escrever e falar sobre cultura e sustentabilidade. Apaixonado pela natureza, é líder escoteiro desde a infância. Com experiência em produção e edição de conteúdo digital, trabalhou no Fala! Universidades.

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