Com a maior população em situação de rua do Brasil, a cidade de São Paulo tem registrado aumento no número de pessoas que vivem nessa condição. Em 2019, eram cerca de 25 mil pessoas. Após a crise social e econômica catalisada pela pandemia de Covid 19, hoje são mais de 53 mil indivíduos.
Os números acima são Observatório Polos de Cidadania, da Universidade Federal Minas Gerais. Detalhe, a base de dados é o Cadastro Único para Programas Sociais, do Governo Federal. Casos subnotificados, estimados em 30%, não entram na conta.
União de duas expressões gregas, “á-poros” (pobre, sem recursos) e “fobos” (medo, aversão), aporofobia é sobre ódio e rejeição a pobre. É a prática de extermínio e exclusão contra pessoas sem posses materiais, aquelas que vivem a margem do sistema de produção e consumo capitalista. Além das questões de classe, aporofobia é intrínseca ao racismo, uma vez que sete a cada dez pessoas em situação de rua são negras.
LEIA MAIS: Padre Júlio Lancellotti é um expoente do combate à aporofobia
O termo foi cunhado filósofa espanhola Adelia Cortina, autora do livro Aporofobia, a Aversão ao Pobre: um Desafio Para a Democracia, lançado em 2017. Porém, bem antes de ser sistematizado em conceito, a prática já era comum e integra a formação do Brasil.
De acordo com o professor de filosofia Aldineto Santos, do Instituto Federal da Bahia, a noção de sujeito, imposta pela modernidade eurocêntrica é ser branco, homem, cristão, europeu, hétero e misógino. Os povos indígenas e, posteriormente, os negros escravizados não eram vistos como sujeitos. Para o professor, o Brasil é uma invenção aporófoba e racista, onde sempre vigorou o mandonismo, a exclusão, o silenciamento e a invisibilização do povo.
Desta forma, o colonialismo e a colonialidade ainda subjacente. São o cerne da construção aporófoba da subjetividade da elite brasileira.
“A elite econômica, que ainda é escravocrata, se beneficiou lá atrás e ainda se beneficia com a desigualdade. A elite brasileira é sádica e cruel.”
Aldineto Santos, professor de filosofia do Instituto Federal da Bahia.
Quer um exemplo prático de aporofobia? Em março deste ano, moradores do Parque Novo Mundo, bairro na zona norte de São Paulo, fecharam a Marginal Tietê numa manifestação contra a criação de um Centro Temporário de Acolhimento (CTA). A região já abriga um CTA, inaugurado em 2018.
APOROFOBIA ILUSTRADA
Em setembro, foi lançado o livro ilustrado Aporofobia, escrito por Blandina Franco com ilustrações de José Carlos Lollo. Com o subtítulo “você não conhece a palavra, mas conhece o sentimento”, a obra é destinada ao público infantil.
O livro é uma parceria com Padre Julio Lancelloti, da Igreja São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, em São Paulo. Hoje, o pároco é um dos maiores expoentes do combate à aporofobia.
“A história nos força a entender o cotidiano de pessoas que vivem em situação de rua, que são agredidas a todo momento pela percepção que desumaniza e destrói os pobres, os fracos e os pequenos”
PADRE JÚLIO LANCELLOTTI
Padre Júlio também participa de outro lançamento: Pobrefobia – Vivências das ruas com Padre Júlio Lancellotti. Em pré-venda, o livro nasceu a partir de relatos das rodas de conversas realizadas pelo Padre Júlio com pessoas em situação de rua, acolhidas na igreja da Mooca.
Criação de Rogério Faria, Laura Athayde, Lila Cruz, Luiza Lemos e Raphael Salimena, o livro em quadrinho apresenta quatro narrativas originais. As histórias abordam experiências com preconceito, marginalização e outras formas de aporofobia.
LEIA TAMBÉM: Índios, negros e pobres: como a arte ressignificou a bandeira do Brasil
Os autores criaram uma campanha de financiamento coletivo em que, a cada exemplar vendido, R$ 5 serão doados para os projetos assistenciais da Paróquia de São Miguel Arcanjo. Além disso, serão distribuídos 500 exemplares para pessoas em vulnerabilidade.
Vale lembrar que paróquia, em parceria com Núcleo de Convivência São Martinho Lima, distribui alimentos para mais de 120 pessoas em vulnerabilidade, de segunda à sexta.
E qual caminho para reduzir a aporofobia?
Para Padre Julio, parafraseando Adelia Cortina, é sair da hostilidade para a hospitalidade em relação a imigrantes, migrantes e refugiados.
“No Brasil, a população de rua são refugiados urbanos”, diz. “São pressionados a viver apenas em campos de refugiados, que nós chamamos de nomes bonitos, como “centros de acolhida'”.
FOTO DE ABERTURA: Rovena Rosa/Agência Brasil