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Descolonizar nossas corpas é um ato revolucionário

10/09/2021

Descolonizar

Pam Ribeiro, a Bruxa Preta, se vale da ancestralidade para resgatar o erotismo que nos foi tomado pelo patriarcado e racismo – e ela dará um curso para compartilhar seus saberes.

Pam Ribeiro, a Bruxa Preta, se vale da ancestralidade para resgatar o erotismo que nos foi tomado pelo patriarcado e racismo.

*Reportagem por Sarah Brito.

Pamela Ribeiro tem um olhar gentil, uma voz doce e sorriso contagiante. Mas não se engane. Sua doçura é encantadora, mas jamais rasa. Por meio de seu perfil Bruxa Preta, ela prega a descolonização corporal e nos ajuda a entender o quanto as ideias ocidentais de espiritualidade estão impregnadas de conceitos judaico-cristãos, como a culpa e a própria noção de “evolução”, que ignoram as estruturas que sustenta essa máquina nefasta de dominação, como o racismo e o patriarcado. 

Numa conversa exclusiva, Pam demonstrou o quanto vive a (r)evolução espiritual de forma única, rompendo com cânones e ideias conservadoras. Ou seja, ela é uma verdadeira revolucionária pragmática através das tecnologias ancestrais que estuda. A incessante busca de Pamela vem de sua experiência enquanto corpo preto e periférico que se vale de ferramentas milenares, como astrologia e tarô, para destrinchar – e separar – as tradições ancestrais do conservadorismo repaginado de “good vibes”, mas que ainda mantém em seu cerne a misoginia, meritocracia, puritanismo e transfobia. Pam explica:

Como podemos estar tão alienados do todo? Vejo gente dizendo que a pandemia é uma oportunidade de aprendizado, o que distorce os conceitos da lei da atração. Que aprendizado é esse que mantém as estruturas que oprimem as vivências dissidentes?” 

CONSCIÊNCIA ERÓTICA 

Ao longo da nossa conversa, Pam repetiru algumas vezes que “tradicional é diferente de conservador”. E para nos ajudar a entender o Tradicional sem reproduzir discursos limitantes (e colonizados), ela criou o curso online “Consciência Erótica”, uma coprodução com a Brava centro cultural de atividades digitais ministradas por mulheres e pessoas trans e parceria da Emerge.

Pamela deixa claro que o curso é um convite para uma jornada de conhecimento de nossas corpas, o que vai muito além de manuais ou guias práticos sobre prazer. Sua proposta é ampliar o conceito de consciência erótica e facilitar o resgate do erotismo que nos foi tomado ao longo da nossa educação ocidental, e ajudar as alunas a recuperar a autonomia corporal como quem nos devolve a criatividade. Neste processo, as alunas sentem e desbravam suas corpas, o que pode ser bem difícil em tempos tão focados no discurso e na mente.

“O curso não é ferramental e foge intencionalmente de roteiros ou processos robóticos de prazer. É um curso inspiracional, em que apresento uma porta que só você poderá cruzar – e descobrir o que há do outro lado é um caminho único”

Leia abaixo um bate bola que fizemos nesta semana. 

Sarah: O que é erotismo?
Pam: É o espaço onde se dá a nossa criatividade, realização e essência.

O que é realização?
É você fazer aquilo que sente profundamente, é estar alinhado com sua essência, é a sua integração com você mesma, sem influências externas. A partir daí, você percebe essa “realização”, uma vez que suas atitudes estão em consonância com a sua voz interior, que é muito profunda e influenciada por vários movimentos do ego. A realização é esse atestado que a gente se dá, de autorrealização, de reconhecimento do nosso valor, de respeitar nosso trajeto e daqueles que vieram antes.

PAM: EROTISMO TAMBÉM É AMOR

O que é ser mulher?
É ser maravilhosa. É entender que você tem inúmeros arcabouços nas suas mãos para fazer acontecer. Às vezes, podemos ser pegas de surpresa por esse sistema que nos impede de realizar as nossas vontades, mas, mesmo assim, a gente vai lá, ergue a nossa voz e realiza. Ser mulher é ser alinhada ao universo de todas as maneiras possíveis. Ser alinhada a esse movimento intuitivo que nós possuímos, que as vezes é difícil de reconhecer e se conectar, mas ele está ali, desde o momento que saímos do útero.

Como entende “afeto”?
Eu tenho estudado afeto, pois eu gosto de falar de amor e é por isso que surgiu o tema erotismo. O erótico nada mais é do que essa junção de amor e desejo; que nos remete a Eros, filho de Afrodite. Assim, erotismo também é falar sobre amor – e eu amo falar sobre amor. Percebi que sou uma pessoa afetuosa – eu me deixo afetar. Em contatos com pessoas indígenas, como a Genipapos (minha maior referência), tenho aprendido sobre não hierarquizar os afetos. O amor e o afeto está no que você sente pelo seu gato e no cuidar das plantas de sua casa. No amor não cabe categorias e nem privações, e ele se expressa de maneiras diferentes conforme cada situação, mas sempre está presente no todo. Afeto é sobre se deixar ser amor. 

O que te motiva a acordar?
Meu trabalho e as pessoas que eu amo. Sou aquariana, então tenho essa motivação do outro, do coletivo. As pessoas que eu amo e aquelas que me veem como referência, as pessoas que eu posso inspirar, são minha motivação.  

LEIA TAMBÉM: Corpo livre: se ache uma grande gostosa

Como se deu o apreço por Audre Lorde?
Audre Lorde me deu a principal referência do meu poder erótico, onde a gente rompe as correntes de privação e castrativas sobre nosso corpo, sobre como nós expressamos nossa sexualidade. Audre trouxe um olhar muito profundo, principalmente porque ela é uma mulher preta lésbica. Seu olhar é sobre a interação com o próprio corpo e com o outro, que vem dimensionado dentro dessa não categorização de como se expressa o prazer dentro do nós, que é interior, profundo e insubordinado. Ela amplia a percepção da nossa potência e o quanto podemos integrar a nossa consciência erótica. Vale lembrar que erotismo é completamente diferente da pornografia, que foi criada pelo patriarcado para reprimir o corpo feminino e todos os outros corpos que não se encaixam no padrão cis hetero branco.

*Sarah Brito é afroindígena e viajante entre mundos, já morou em 3 continentes diferentes e desenvolveu o dom de conectar experiências. Nos últimos anos, foca sua atuação na intersecção entre comunicação, estratégia cultural, pluralidade de saberes e vivências do Brasil Profundo.

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Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e estúdio criativo de Diversidade, Equidade, Inclusão e Impacto Social.

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