MC Marie começou a carreira no funk em 2015, no Morro do Palácio, comunidade em que morava em Niterói, no Rio de Janeiro. Agora em São Paulo, a sapatona convicta continua cantando sobre ser lésbica no rolê, curtir com as amigas e dar uns beijos na boca.
No último Dia da Visibilidade Lésbica (29 de agosto), MC Marie lançou a Gosto Muito. A música enfatiza o orgulho de pertencer ao L da sigla LGBTQIA+, além de ironizar conduta sexual masculina. A faixa teve produção de DJ Tezinho, que também está em ascensão na cena.
Se mulheres cantoras são minorias no meio do funk, lésbicas são ainda mais. MC Marie conta que, em todas as vezes que foi gravar músicas em estúdios, se viu cercada de homens. E em mais de uma ocasião percebia desdém deles. “Precisei insistir muito para ser ouvida”, diz ela.
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NOVAMENTE, A INVISIBILIDADE LÉSBICA
Recentemente, a plataforma Energia Dykezona analisou 15 playlists autorais do Spotify com artistas LGBTQIA+. O levantamento identificou que apenas 7,5% das músicas eram de mulheres lésbicas — isso porque somos a primeira letra da sigla #tiração. Ou seja, mesmo em segmentos criativos e com forte presença jovem, a invisibilidade de mulheres lésbicas ainda grande.
Além disso, quando lésbicas são retratadas no funk, nos identificamos pouco com o que ouvimos, e ainda menos com o que vemos nos videoclipes. Ainda predomina um olhar masculino de fetiche.
Uma das artistas que têm conseguido se infiltrar nessa estrutura é Mc Dricka. Mulher, preta e lésbica, ela foi destaque num banner gigante na Times Square em Nova York, numa ação publicitária recente do Spotify.
Outro motivo de comemoração para a Rainha dos Fluxos — e para nós, lésbicas — foi a sua indicação de Melhor Artista Novidade Internacional no BET Awards 2021, premiação estadunidense de cultura negra. Na época, a artista, de 22 anos, afirmou que se sentia muito feliz em mostrar para o mundo o poder das mulheres.
Vale lembrar que o funk é o segundo ritmo mais ouvido do Brasil, atrás apenas do sertanejo. O som também é fenômeno de exportação. Em 2019, a Folha de São Paulo usou dados do Spotify para identificar as 200 músicas brasileiras mais ouvidas em 51 países. A análise mostrou que os estrangeiros ouvem mais funk do que qualquer outro gênero nacional.
Nesse sentido, não podemos nos esquecer que tamanha popularização só foi possível devido a luta de cantoras como Tati Quebra Barraco, Valesca Popozuda, MC Kátia e Deize Tigrona. Pioneiras do funk, elas abriram caminhos e inspiraram as próximas gerações. Um bom exemplo é a batida de Injeção, de Deise, usada na música Bucky Done Gun, da cantora inglesa MIA, em 2015.
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MULHERES QUE SARRAM EM MULHERES
Além da questão básica da representatividade, o funk de mulheres que amam mulheres traz narrativas, palavras, modos de agir, prazeres e safadezas que só quem é lésbica entende.
Nascida em Campinas, interior de São Paulo, Mc Mano Feu cresceu ouvindo samba, influenciada pela família. Via caixa de som dos vizinhos, passou a ouvir rap. Aos 12 anos, compartilha o caderno de poesias com rimas inspirada nas músicas da Furacão 2000.
Numa mistura de referências somadas a inúmeros downloads piratas, MC Mano Feu passou a compor funk de putaria lésbica em 2018. Na época, cantava na Festa Fancha — no vale, Fancha é sinônimo de lésbica.
Sua música mais recente foi lançada no dia do Orgulho LGBTQIAP+. Batizada de Linguadinha na XXT, a produção da faixa e videoclipe contou com uma equipe voluntária de mais de 20 mulheres lésbicas e bissexuais e pessoas não-binárias. Como revela o título, a música é divertida e feita para entreter, ou seja, para a gente sarrar nelas mesmo.
Imagens: divulgação