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Os encontros e o território do Periferia Preta

10/11/2020

Coletivo multiartístico potencializa ações sociais da Fazenda da Juta, na zona leste de São Paulo, por meio de música, dança, teatro e oficinas

Coletivo multiartístico potencializa ações sociais da Fazenda da Juta, na zona leste de São Paulo, por meio de música, dança, teatro e oficinas

*Este texto contém linguagem neutra de gêneros gramaticais

O mês de novembro nos brindou com o Festival Periferia Preta, evento que fomenta talentos locais do bairro Fazenda da Juta, na região de Sapopemba, na zona leste de São Paulo, entre outros artistas de vários cantos do Brasil. Em sua 5ª edição, que acontece de maneira online devido à pandemia de Covid-19, o festival apresenta shows, DJ sets, intervenções poéticas e ocupações de Instagram até o dia 29 de novembro. E pense numa programação vasta. Há aulas de yoga africana, dancehall, brega funk e vogue – a icônica dança/performance criada nos bailes do Harlem, em Nova York, por LGBTQIA+ no início dos anos 1960.

Outra novidade do festival online são as lives na cozinha, em que personalidades artísticas e do ativismo social, como Nega Duda e Jup do Bairro (já perfilada pela Emerge), preparam de suas casas seus pratos prediletos enquanto relatam suas trajetórias e processos de descolonização cultural a partir da culinária. Além disso, todas as quintas-feiras do mês, há contação de histórias da Agbalá Conta, que traz narrativas que valorizam a identidade de origem africana com foco no público infantil.

O festival é uma criação do coletivo Periferia Preta, fundado em 2015 numa ação conjunta de moradoras e agentes culturais da Fazenda da Juta para fazer com que pessoas pretas e periféricas pudessem se enxergar potentes e capazes de transformações sociais. O foco do coletivo é se valer de linguagens artísticas como música, dança, teatro e poesia e oficinas de processos criativos.

De acordo com Thaís Oliversi, integrante e fundadora do coletivo, o Periferia Preta é o impulso interno de mulheres faveladas em criar um espaço de encontro para fecundar uma quebrada consciente de seus direitos. O lance é que pretos e periféricos sejam protagonistas de suas histórias e que arte da quebrada seja valorizada e multiplicada. Ela complementa:

“A favela tem raça e gênero e é daí que desabrocha todas as nossas narrativas de ser e existir. Nosso desejo é criar pontes para outras quebradas e promover encontros para contemplar a arte da favela para a favela”

AGITADORES DA JUTA

Além de Thais, integram o Periferia Preta: Thiago Felix, Cassia Caneco, Veroni Vieira, Juliana Oliveira e Adriana Oliveira, todos com vivência de longa data na Fazenda da Juta – o ponto em comum que os unem. Vale destacar que o bairro da Fazenda da Juta surgiu a partir da luta dos movimentos sociais, principalmente de moradia. De acordo com o Núcleo de Estudos e Pesquisas de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, o distrito Sapopemba ocupa o 25º lugar no ranking de exclusão social, sendo o mais populoso de São Paulo, com cerca de 290 mil habitantes em 13,5 km, o segundo em densidade demográfica no município.

THIAGO FELIX, INTEGRANTE DO PERIFEIRA
PRETA: QUEBRADA EM MOVIMENTO

Outro fator que aglutina o coletivo é ser uma rede de artistas e agitadores culturais que disseminam discussões em torno de questões relacionadas à raça, classe social e sexualidade e gênero – e todas as portinhas que vão se abrindo quando os três eixos são interseccionados.

Tais bandeiras são intrínsecas aos corpos dos integrantes – e, cuidado, não caia no senso comum de que pretes perifereques são todes iguais. No coletivo há quatro mulheres cisgêneras pretas, uma pessoa trans não-binária e uma bixa (com X mesmo). Veroni vem da dança e possui experiência em produção. Thaís, Thiago e Cassia têm origem no teatro. Juliana é assistente social é trabalha com idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social. Adriana, a integrante mais velha, é bruxa e taróloga.

“Nossos olhares partem das nossas histórias, mas vai além dos marcadores sociais para potencializar as ações do Periferia Preta”, diz Thiago, que também é produtor da Jup do Bairro e da Linn da Quebrada. “Essa é a riqueza de estarmos juntas.”

Quando questionado sobre a importância do coletivo na sociedade, o coletivo afirma que o Periferia Preta é contra o sistema que está posto em todas as suas esferas: a estrutura masculina, branca e cisgênera: “somos corpos dissidentes, corpos periféricos, em busca de valorizar a arte que nós e as nossas constroem e construíram”.

Outro detalhe é que grande parte das integrantes são arte-educadoras e deram aulas por muitos anos em instituições na Fazenda da Juta, o que faz com que elas atraiam a juventude do território. É comum ter retorno positivo de crianças e adolescentes que participaram de ações em anos anteriores, o que faz o coletivo ser uma referência de possibilidades na produção de arte, mesmo frente aos revezes que o segmento cultural sofre no Brasil.

“É O PODER, ACEITA PORQUE DOÍ MENOS”

A falta de recursos foi a principal barreira que o Periferia Preta encontrou para se consolidar. Para vencer a barra, o foco foi a organização e profissionalização para captar recursos por meio de editais públicos e parcerias. E a estratégia tem dado certo (#oglória). Nos últimos doze meses, o coletivo obteve recursos financeiros por meio da Lei de Fomento a Periferia, garantindo o funcionamento das atividades em 2020 e 2021.

Os incentivos estão sendo aplicados na criação do espaço cultural Periferia Preta, que vai promover encontros em torno de produção cultural periférica. No espaço, haverá uma biblioteca só de autoras e autores pretos, periféricos e LGBTQI+. A meta é fazer o espaço ganhar corpo e girar para atender os anseios e as necessidades dos moradores de Sapopemba – e ser uma nova fonte de receitas para o coletivo.

COLETIVO DE CORPOS DISSIDENTES: ATUAÇÃO CONTRA A ESTRUTURA MASCULINA, BRANCA E CISGÊNERA

Thiago afirma que o será um espaço de resistência, criação e pulverização da arte periférica e de acolhimento para corpos de artistas, em sua maioria, pretos e LGBTQI+.

“A sede física é a realização de um sonho”, diz ele. “Vai nos permitir ser independentes e livres de constrangimentos e desconfortos já vividos em outros espaços, como instituições públicas ligadas ao governo ou da iniciativa privada”

E, além do bairro, de onde vem toda essa força e inspiração? Das pessoas que estão próximas ao coletivo, como as mães de cada um dos integrantes: mulheres fortes, que lutaram muito para que elus pudessem existir e fazer o que fazem hoje.

Para os integrantes do Periferia Preta, são os encontros que os fortalecem, quando elus se veem como semelhante entre todas as diferenças. Assim, seguem munidos para enfrentar as problemáticas do Brasil (trá).

FOTOGRAFIAS: Nu Abe.

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
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– Não há fronteiras para o teatro da Arquivo 2
– Os encontros preciosos do Abayomi Ateliê
– O podcast Almerindas é um aquilombamento na literatura
– O grafite do Grupo OPNI ressignifica a paisagem periférica

 Coletivo Cabeças na contracultura da beleza
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Ateliê Fomenta e a moda como resgate histórico

Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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