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Passeando pelas ruas e as histórias do patrimônio de SP

15/03/2023

Obelisco do Piques no Largo da Memória.

Em passeios guiados, coletivo mapeia histórias de praças, igrejas, ruas e edifícios que são elo entre o passado e o presente da cidade

*Reportagem de Beatriz Silva Martins, Bruno Santos de Souza, Estela Marconi Andrade, Guilherme Sousa, Gasparian, Jean Alves Rufino, Letícia Santos Correia da Silva, Livia Mulato Uchoa e Renan Assem Rodrigues alunos do curso de Jornalismo da Universidade São Judas Tadeu, parceira da Emerge Mag.

Às 10 horas da manhã em frente à Estação do Metrô Japão-Liberdade, os historiadores Renata Geraissati e Philippe Arthur, do coletivo Coletivo Passeando pelas Ruas, reúnem um grupo ávido por desvendar o significado do nome do bairro. Depois de alguns palpites lançados, Renata revela a sangrenta história da praça.

Execuções de fugitivos e desobedientes à lei marcaram o local, chamado de Largo da Forca, durante o período colonial. Foi Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, um soldado negro quem ressignificou o sombrio nome da praça. 

Em 1821, o soldado fora preso e condenado à pena capital em praça pública por liderar a Revolta Nativista (rebelião contra o comando do batalhão por causa de salários atrasados). Mas no ato de seu enforcamento, com a corda já envolta a seu pescoço, ela arrebenta, deixando Chaguinhas ileso. A multidão surpresa, encara a situação como um sinal divino de que Chaguinhas deveria ser perdoado pela rebeldia.

Mas o desejo da multidão é ignorado. Uma nova corda é preparada e a tentativa de enforcamento é retomada. Tentam uma segunda e uma terceira vez prosseguir com a forca, mas as cordas insistem em arrebentar. Enquanto os soldados buscam se recompor diante do imprevisto, um grito ecoou na praça: “Liberdade!”, gritava Chaguinhas. 

A liberdade do soldado negro fora efêmera. Os militares o mataram a pauladas diante da multidão. Mas sua coragem e tenacidade, no entanto, ficarão para sempre marcadas na história da cidade, afirmam os historiadores Renata e Philippe, antes de encaminhar a turma para outros pontos históricos do bairro.

Ao lado de Paola Reis e Paloma Cibele dos Reis (auxiliar de mídias sociais), eles integram o Coletivo Passeando pelas Ruas, que realiza walk tours gratuitos pelos principais bairros do município, mapeando a fundo a história de cada praça, igreja, ruas e edifícios. 

Numa cidade que já passou por duas gestões inacabadas, três prefeitos em sete anos e cortes orçamentários de toda ordem, o trabalho cidadão do grupo é fundamental para o resgate e preservação de monumentos, artefatos e tradições culturais que são o elo de ligação entre o passado e o presente da cidade. 

Passeando pelas ruas resgatas histórias do patrimônio de SP
Passeios guiados do coletivo Passeando pelas Ruas acontecem aos sábados e são gratuitos (Foto: Paloma Reis)

PASSADO QUE SE FAZ PRESENTE 

Os passeios guiados do coletivo Passeando pelas Ruas acontecem aos sábados e são gratuitos. Além das exposições, os organizadores distribuem aos participantes um livreto com todas as informações a serem detalhadas ao longo do percurso.

Durante o trajeto, os guias Phillip e Renata sugerem aos participantes que interajam e reflitam sobre tudo o que lhes é contado sobre a cidade.

“Eu não gosto de usar a palavra passeio guiado, mas sim debatido. A gente apresenta a história para conversar sobre ela”.

Philippe Arthur

Durante o passeio no bairro da Liberdade – acompanhado pela reportagem -, os historiadores destacaram que as características da cultura japonesa, hoje predominantes no bairro, acabam por esconder os acontecimentos históricos que ocorreram há centenas de anos antes da imigração oriental. O que levanta questões sobre como esses dois universos poderiam co-existir ao invés de se sobrepor.

“uma das coisas que sempre esteve presente nas minhas pesquisas era como a cidade de São Paulo se constitui, como ela se constrói, como se representa e se coloca politicamente”

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Philip e Renata, do passeando das ruas
Phillipe e Renata, fundadores do Passeando nas Ruas (Foto: Divulgação)

Phillipe e Renata estudaram na Faculdade de História de Arquitetura e Urbanismo da Fausp (Faculdade Unida de São Paulo). Hoje, aos 32 anos, além de historiador, ele é arquiteto. Ela, mergulhou ainda mais no tema e é doutora em História pela Unicamp.

Em 2013, após participarem de uma palestra sobre “Como Fazer Projetos Culturais” na Biblioteca de São Miguel, na Zona Leste de São Paulo, onde nasceram, decidiram criar o Passeando pelas Ruas, cujo objetivo da iniciativa era levar a cultura e a história da cidade de São Paulo para as pessoas da comunidade onde moravam

A ideia ganhou corpo de vez com o edital público de fomento à cultura, VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O coletivo participou das edições de 2014, 2016 e 2018, do programa, o que possibilitou a realização de passeios, programação cultural e livretos como o Catálogo Patrimonial e o livro “Passeando pelas Ruas: Reflexões sobre o patrimônio paulistano”, composto por uma coletânea de artigos que abordam os roteiros realizados a cada edição do projeto. Os materiais didáticos foram distribuídos nas escolas públicas da região de São Miguel Paulista.

A defesa do Passeando pelas Ruas do património histórico-material da cidade, rendeu-lhe o prêmio da categoria “Patrimônio” da edição 2014 do Prêmio Brasil Criativo, a premiação oficial da Economia Criativa no Brasil, oferecida pelo Ministério da Cultura, e cuja a Emerge Mag foi uma das indicadas, na categoria “Criadores de Conteúdo” na edição de 2023. 

Os eventos do Passeando pelas Ruas costumam ser prestigiados pelas pessoas. Certa vez, em 2018, num passeio pela região da Avenida Paulista, cerca de trezentas pessoas compareceram para o walk tour. Para atender a demanda, o Philip e Renata tiveram que dividir os participantes em grupos e por horários. Na ocasião, a compra de um microfone foi necessária, para que as dezenas de participantes pudessem ouvir os guias.

Durante a fase mais crítica da pandemia Covid-19, a iniciativa fez uma pausa nos passeios e a solução encontrada foram encontros virtuais. O projeto resistiu graça ao Fomento à Cultura da Periferia, outro edital público. As atividades in loco do projeto só retornaram às ruas a pouco, no segundo semestre de 2022.

O FUTURO DAS RUAS

Para 2023, o coletivo tem planos ainda maiores para o futuro. “Queremos criar um site que sintetize tudo sobre a iniciativa, desde discussões e objetivos até passeios e atividades que já foram realizadas”, afirma Phillip. Além disso, eles pretendem estabelecer um centro de memória que documente a história de algumas regiões com as quais já firmaram parcerias, como a Capela de São Miguel e a biblioteca Raimundo de Menezes.

“Não podemos partir do pressuposto que a história da cidade se resume ao centro”, destaca Phillip.

Philippe Arthur

O projeto também busca envolver os jovens na missão de resgate histórico, firmando parcerias com escolas públicas da região para trazer alunos aos passeios, facilitar as discussões sobre o patrimônio histórico cultural dentro da sala de aula, revelando às cores e sabores pouco explorados da maior cidade da América Latina.

Foto de Abertura: Passeando pelas Ruas | Edição: Karol Pinheiro

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Revista digital de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional e estúdio criativo de Diversidade, Equidade, Inclusão e Impacto Social.

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