Socióloga do canal do Youtube Tese Onze fala sobre a corrente de pensamento e ação que prega equilíbrio entre ser humano e natureza.
Nos últimos meses, o Brasil tem sofrido tragédias ambientais. Não bastasse as queimadas na Amazônia, com mais de 43 mil focos de incêndio desde o começo do ano, agora dezenas de praias do norte e nordeste estão cobertas de petróleo, de origem ainda desconhecida.
Favoráveis ou não ao sistema capitalista, é impossível não responsabilizá-lo pelos desastres. A lógica que persiste é a de uso exacerbado de recursos naturais, desprezo às fontes de energia sustentáveis, consumo desenfreado e lucro acima de proteção ambiental — vide casos de Mariana e Brumadinho.
De acordo com um estudo da Universidade Nacional da Austrália, o aumento recente da temperatura da Terra teve início com Revolução Industrial. As emissões de CO2 cresceram à medida que a produção industrial aumentou, especialmente a partir da década de 1950, por causa da forte aceleração do consumo.
A pergunta que fica é: será esse é o único modelo possível para a sociedade? Para Sabrina Fernandes, socióloga especializada em economia política, a resposta é não. Ela diz que é mais do que possível criar um mundo que rompa com a destruição ambiental, exploração da natureza e opressão aos trabalhadores.
Para isso, de acordo com ela, é necessária uma transformação radical e global: uma transição para um sistema chamado ecossocialismo.
CURSO INTRODUÇÃO AO ECOSSOCIALISMO: alternativas ao capitalismo
Recentemente, Sabrina ministrou um curso de introdução a tal corrente marxista no coworking do Jardin do Centro. Apesar do ecossocialismo, enquanto movimento, ser relativamente novo, suas raízes vêm de escritos do século XIX de Marx. Ele foi o crítico mais contundente e assertivo das falhas estruturais do capitalismo.
Ainda que as questões ambientais não fossem tão urgentes no século XIX, como são para nós hoje, naquela época Marx criticava o saque sistemático do capitalismo sobre a natureza e a sua interferência no equilíbrio ecológico. No livro O Capital (1867), ele comenta:
“A produção capitalista perturba a interação metabólica entre o homem e a terra, isto é, impede o retorno ao solo de seus elementos constituintes consumidos pelo homem (…) Todo progresso na agricultura capitalista é progresso na arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo”
Um indício recente da ruptura metabólica que o capital provoca na ecologia foi a ação devastadora do furacão Dorian, que atingiu as Bahamas no começo de setembro. Furacões são comuns na região, mas não os de Categoria 5, com os ventos que ultrapassam 252 km/h. Também foi a primeira vez que cientistas registraram um furacão estacionado por dois dias sobre as ilhas. O saldo dos estragos: 66 mil pessoas desabrigadas e 50 mortes. De acordo com climatologistas, foi o aquecimento global que tornou o furacão maior e mais mortal.
“Tudo o que impacta um punhado de árvore, impacta também a nós, porque somos partes do metabolismo ecológico da Terra e estamos sujeitos as suas regras”
Sabrina Fernandes, socióloga
VERDE E VERMELHO
No Brasil, Sabrina é uma das principais referências no assunto. No mundo, há outros outros ecossocialistas contemporâneos populares, como Michael Löwy, John Bellamy Foster e Kohei Saito.
Esta foi a segunda vez que Sabrina ministra o curso Introdução ao Ecossocialismo. A primeira foi em maio, no Espaço Cult, também em São Paulo. Ela promete novas edições e revela que está trabalhando numa versão on-line, que será disponibilizada em breve.
“A ideia é que cada vez mais pessoas estejam habilitadas para falar sobre o ecossocialismo”, afirma.
O conteúdo do curso, que tem quatro módulos e é dividido em dois dias, é parecido com aquele que ela oferta gratuitamente para os 200 mil inscritos no Tese Onze, seu canal no Youtube. Mas, na aula presencial, a professora youtuber consegue aprofundar mais os debates e esclarecer dúvidas na hora.
Ao sintetizar os princípios básicos de ecologia dentro da crítica marxista, Sabrina quebra por terra também a farsa do “capitalismo verde”, aquele que vende “soluções” como canudo de metal.
“Quando dizemos que é ‘ecossocialismo ou extinção’ é porque de fato não há outro caminho possível.
Sabrina Fernandes
De modo bem simplificado, a conclusão que tiramos é que o ecossocialismo defende a produção e o consumo de acordo com as reais necessidades sociais. O objetivo é criar um equilíbrio ecológico entre humanos e natureza, algo muito diferente do crescimento e expansão tresloucada proposta pelo capitalismo.
O sistema propõe ainda um conjunto de valores e padrão de vida abundante — não em dinheiro, mas em bem-estar, tempo e convivência social. Aborda uma melhor soberania alimentar, com redução de uso de agrotóxicos e com mais respeitos aos animais, os quais a ciência já provou a capacidade de terem sentimentos. É como fala o tio Marx:
“O homem social, os produtores associados, regulam racionalmente seu metabolismo com a Natureza, trazendo-a para seu controle comunitário em vez de serem dominados por ela, como se fora por uma força cega; que o façam com o mínimo emprego de forças e sob as condições mais dignas e adequadas à sua natureza humana”
Ao término do curso de Sabrina, a sensação que fica é um convite para pensar em uma sociedade mais igualitária, democrática, sustentável e eficiente, para os humanos e a natureza. E a lição de casa é agir para tentar construí-la, enquanto ainda há tempo.
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