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Música, mobilidade e anarquia com o Bike System

12/12/2020

bike system

Coletivo usa bicicletas com sistemas de som para ocupar espaços públicos e distribuir itens de higiene para pessoas em situação de rua

Coletivo usa bicicletas com sistemas de som para ocupar espaços públicos e distribuir itens de higiene para pessoas em situação de rua. Neste sábado e domingo, ação se repetirá durante a Virada Cultural.

Entre hoje (12) e amanhã (13), quem passar pelas ruas do centro de São Paulo pode se deparar com um grupo de 10 ciclistas que levará música e distribuirá máscaras, álcool em gel e kits de higiene na região. A ação será realizada pelo coletivo Bike System e integra a programação da Virada Cultural, tradicional evento anual que reúne espetáculos de música, teatro, dança e gastronomia. Nesta edição, devido a pandemia de Covid-19, a Virada Cultural não terá grandes shows nas avenidas e boa parte de sua programação será online. A ação do Bike System acontecerá de forma itinerante para evitar aglomerações e será transmitida ao vivo pelo canal do coletivo no Instagram (sábado às 21h e domingo às 14h). Os responsáveis pela empreitada são os DJs Mauro Farina, fundador do Bike System; Salvador Araguaya; JaguaThirica, Lais Leite e Selva G.

AÇÃO POLÍTICA: EM SÃO PAULO, HÁ MAIS IMÓVEIS DESOCUPADOS DO QUE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

Fundado em 2015, o Bike System é um ciclo coletivo criado de forma prática, divertida e inusitada para levar música de graça e ocupar espaços públicos na cidade de São Paulo. Um dos grandes lances é que o coletivo une arte e mobilidade urbana ao reutilizar e ressignificar bicicletas abandonadas, que são transformadas em sistemas de som ambulantes. Também participam do Bike System o film maker Juan Rodrigues Quintas; e o DJ, designer e curador Pedro Barreira, o Val Pescador. Cada integrante traz sua bagagem de vida e visão para colocar em prática as ideias do coletivo.

A iniciativa começou em abril. Frente as medidas de distanciamento social e a crise sanitária e social causada pela pandemia, o coletivo seguiu seu propósito de ação direta e passou a levar doações para os mais vulneráveis: pessoas em situação de rua que não tinham acesso a água e itens de higiene e limpeza. Se a orientação da OMS era ficar em casa, como faz quem não tem casa numa cidade onde há mais imóveis ociosos do que pessoas que necessitam de um lar?

O ato autônomo do Bike System que não contou com participação de organizações públicas e foi custeado pelos próprios integrantes e via doações de terceiros. De acordo com Mauro, a ação também foi uma forma de resistência social e denúncia política – e de esperança, uma vez que a música une as pessoas e traz alegria.

DEIXE ME IR, PRECISO PEDALAR

De acordo com Aline Cavalcante, fundadora da Coalizão Clima e Mobilidade Ativa, a maior carência da cidade de São Paulo é um olhar amplo para a mobilidade urbana, onde há pouco investimento público em transporte coletivo, mobilidade atividade e tecnologia nos combustíveis. Hoje, a cidade ainda prioriza o automóvel e os gastos públicos contemplam mais os motoristas, como benefícios fiscais para compra de carros, criação de vagas de estacionamento em vias públicas e projetos de recapeamento viário. Vale destacar que apenas 30% dos habitantes da cidade utilizam automóvel, mas o espaço dedicado aos carros nas vias é de 80%.

Para Mauro, existe um aspecto sociocultural na bicicleta, mas o olhar da cidade para esse tipo de mobilidade ainda é recente. O lado positivo é que o tema tem ganhado destaque nos últimos anos. Logo no seu primeiro ano de atuação, o Bike System foi utilizado na inauguração da ciclovia da Avenida Paulista. Posteriormente, participou de bazares e feiras livres em praças e ruas, festas, passeios ciclísticos sonorizados, apoio em palestras, eventos corporativos, batalha de MC´s, vernissages e manifestações em prol de ciclovias.

Em relação aos desafios, há muito campo para desbravar. No momento, o coletivo está preparando uma campanha de crowdfunding para manter o projeto ativo e levá-lo para outras regiões da cidade. Há também a oferta de treinamento e criação de vínculos com outros coletivos para, cada vez mais, aumentar a presença de bicicletas nas ruas. Além disso, existe a vontade de levar a expertise do coletivo para espaços culturais que queiram usar a mobilidade urbana como forma de democratizar a cultura.

“Nosso trabalho é muito afeiçoado com a rua e com as pessoas que nela habitam e transitam”, diz Mauro.

No entanto, ele afirma que, devido a burocracia, não sente que o centro de São Paulo tenha um equipamento cultural pronto para atender demandas como as do Bike System. Assim, o coletivo opta por parcerias com espaços privados. Nos últimos meses, ele tem guardado e feito a manutenção das bicicletas no Matilha Cultural.

Independentemente dos parceiros, o público continua sendo agraciado. Quando saem às ruas, é comum os integrantes do Bike System sentirem boa receptividade de famílias, que aparecem nas janelas para saudar e aplaudir o coletivo. O engajamento online também tem sido positivo: uma das ações que teve transmissão ao vivo pelo Instagram impactou cerca de meio milhão de pessoas.

NAS CABINES E NAS RUAS

Com 39 anos, Mauro é bastante conhecida no meio das festas de música eletrônica de São Paulo. Há mais de 10 anos, ele fundou a Free Beats, projeto cultural itinerante de música inspirado nos democráticos sound system jamaicanos, que se popularizaram em Nova York na década de 1980 com propostas sonoras libertadoras. Em meados de 2010, São Paulo vivia uma grande efervescência de coletivos de música que tomavam as ruas com eventos gratuitos, como Voodoohop, Gente Que Transa, Metanol, Selvagem e, posteriormente, a Mamba Negra (já perfilada pela Emerge no início de 2018).

MAURO TAMBÉM É FUNDADOR DA FESTA ITINERANTE FREE BEATS (Foto: Vento Festival 2017)

Porém, bem antes da pandemia, o cenário para a realização de festas de rua já havia endurecido, com maior burocracia para ter autorização dos órgãos públicos e festas que eram encerradas antes da hora devido a chegada da Polícia Militar. Se no centro a situação era tensa, o panorama é exponencialmente pior nas periferias. Vale lembrar que, recentemente, o massacre de Paraisópolis completou um ano (na ocasião, nove jovens morreram pisoteados num baile funk após a Polícia Militar dispersa o público de maneira desastrosa).

Mas não baixemos a guarda e nem nos deixemos perder a tentação, enquanto os cães correm atrás, o Bike System não para.

SERVIÇO
Bikesystem na Virada Cultural
Com os DJs DJ Mauro Farina, Salvador Araguaya, JaguaThirica aka ThiPessutto, Laís Leite e Selva G.
Dias: 12 e 13 de dezembro (sábado e domingo)
Horário: 18h à 0h (sábado) e das 10h às 16h (domingo)
Para assistir: acesse @bikesystem e acompanhe as lives.

FOTOGRAFIAS: Luca Meola

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
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Quem escreveu

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Italo Rufino

Jornalista pós-graduado em marketing com dez anos de experiência. Trabalhou na revista Exame PME (Editora Abril), nos sites Diário do Comércio e Projeto Draft e na ONG de urbanismo social A Cidade Precisa de Você. Natural de Diadema (RMSP). Pai de uma criança de 10 anos. Fundador da Emerge.

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