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Coletivo Coletores: luz no concreto e aço

10/12/2020

Coletivo de artes digitais utiliza projeções para reivindicar novos usos e ocupações para o espaço público da cidade

Dançarinos de hip hop, grafites, símbolos políticos e balas que cruzam uma comunidade. Na mesma velocidade que nascem, as imagens desaparecem sobre fachadas de prédios e casas. Por trás da façanha que impressionam os olhos até dos mais atentos está o Coletivo Coletores, especializado em artes digitais com foco em video mapping, técnica visual que consiste em projetar imagens sobre superfícies, como paredes e fachadas, para criar efeitos e animações que parecem ganhar vida, se transformando em um verdadeiro espetáculo de luzes, movimentos e sons.

Fundado em 2008, o coletivo é uma iniciativa dos artistas multimídias Toni William e Flávio Camargo. Unindo intervenção urbana e tecnologia, a dupla utiliza a cidade como meio e suporte para suas ações, que misturam referências que vão de jogos digitais, arquitetura do precário e design social a até pichação, fotografias e stencil art. E um dos fatos mais bacana é que o coletivo é da quebrada para a quebrada, com forte atuação em São Matheus, Cidade Tiradentes e Penha. Eles explicam:

“O Coletivo Coletores vem da necessidade de reivindicar novos usos e ocupações para o espaço público, assim como redesenhar plataformas de aprendizado e fruição estética em territórios marcados pela desigualdade e exclusão”

coletivo coletores
PROJEÇÃO REALIZADA NA PRAÇA BRASIL, EM ITAQUERA: DE QUEBRADA PARA QUEBRADA

NÔMADES TECNOLÓGICOS

Em seus 12 anos de existência, o Coletivo Coletores carrega a luta e a memória do território urbano. Periferia, negritude, educação, justiça social e acessibilidade são temas recorrentes nas intervenções. Há poucos dias, eles projetaram a frase “Mil dias sem Mariele” na fachada do Centro de Culturas Negras, equipamento cultural da prefeitura localizado no Jabaquara, na zona sul da cidade.

Devido não possuir ateliê – e até pelo tipo de trabalho que realiza –, o Coletivo Coletores produz em trânsito, passando por espaços em comunidades, ocupações, escolas e ambientes institucionais voltados para arte e cultura.

Na lista de projetos, estão ações na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo; na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Dakar, no Senegal; no Festival Internacional de Linguagem Eletrônica; no Festival Online de Artes Digitais de Portugal; e em unidades da rede Sesc São Paulo. O coletivo também realizou ações educacionais na Fundação Bienal de São Paulo, no SENAC e no Instituto Tomie Ohtake e teve projetos selecionados pela Prefeitura de São Paulo, por meio do Programa Vai e Edital Redes e Ruas, e pelo Governo do Estado de São Paulo, com o Programa de Ação Cultural (o mesmo que financia o projeto de Mapeamento de Coletivos Artísticos e Culturais da Emerge Mag).

VEJA TAMBÉM: Coletivo fomenta presença de mulheres no grafite

ESPAÇOS PÚBLICOS E A COVID-19

Contemporâneos e com a mesma origem no distrito de São Mateus, o Coletivo Coletores caminha ao lado de outras organizações que fomentam a cultura em espaços de vulnerabilidade social, como o São Mateus em Movimento, o Grupo OPNI e a Favela Galeria. De acordo com dados da prefeitura, o distrito de São Mateus possui mais de 20% dos seus domicílios com renda de até meio salário-mínimo per capita.

coletivo coletores
TECNOLOGIA NO DNA: EM MEIO A PANDEMIA, PROJEÇÕES GANHARAM DESTAQUE NO CENÁRIO URBANO

Em 2020, o coletivo foi bastante impactado pelo peso da pandemia de Covid-19, principalmente devido atuar nas ruas. Durante quatro meses, Toni e Flávio não tiveram nenhum trabalho, o que gerou impacto financeiro e psicológico em ambos. A situação começou a melhorar em julho, quando O Coletivo Coletores participou do projeto Vozes Contra o Racismo, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial, que promoveu intervenções artísticas para valorizar o trabalho de artistas negros e indígenas numa exposição a céu aberto. Em meio a pandemia, com galerias, museus e outros espaços culturais fechados, a dupla realizou projeções no Theatro Municipal, na Praça Roosevelt e na Igreja Nossa Senhora dos Homens Pretos, na Penha, numa celebração ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha com uma homenagem a líder quilombola Tereza de Benguela.

O lado menos ruim da pandemia foi que, enquanto vários coletivos foram forçados a migrar para o mundo digital sem muita experiência, o Coletores se viu num ambiente onde tem total domínio. Toni comenta:

“A virada do setor cultural para o mundo online durante a pandemia nos permitiu, como nunca antes, oportunidades de trocar com outras pessoas por meio de linguagens digitais. O vídeo mapping mesmo passou a ser incorporado em contextos que antes não era muito comum”

Pessoalmente, é muito interessante se debruçar sobre o trabalho do Coletivo Coletores no ano de 2020; os conheci em 2017, na mesma época que descobri o Grupo OPNI. Desde então, comecei a ter outra perspectiva sobre o impacto da arte e da cultura nas periferias e como elas podem ser agentes de transformação social na vida das pessoas. Toni concorda. Ele afirma que um dos grandes prazeres do coletivo é a possibilidade de interagir com diferentes produções, atores e territórios que o inspira e o motiva a continuar na caminhada.

“Não tem preço estar numa quebrada e ver o brilho no olhar de uma criança que vê pela primeira vez uma projeção ou o orgulho de um morador ao ver sua imagem projetada numa grande fachada”, finaliza Toni.

FOTOGRAFIAS: Rafael Felix

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
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