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Coletivo de fotógrafos retratam vivências, manifestações e ancestralidade da população negra para romper com estereótipos racistas e sexistas

Coletivo de fotógrafos retratam vivências, manifestações e ancestralidade da população negra para romper com estereótipos racistas e sexistas

Você sabia que por muitas décadas era “normal” que pessoas de pele negra saíssem borradas nas fotos? Para entender os motivos, precisamos voltar no tempo. Essa história começa por volta de 1940, quando a Kodak passou a produzir os cartões Shirley, que eram usados nos laboratórios de impressão de fotos para ajustar as cores e tons de pele das imagens. Acontece que as tais Shirleys, como passaram a ser chamadas as mulheres que estampavam os cartões, eram todas brancas – ou seja, o padrão era a pele branca.

MARIA APARECIDA: OLHOS BRILHANTES (Foto: Bruno Pompeu)

Foi somente na década de 1990 que os cartões Shirley incluíram negras e asiáticas em sua padronização. Essa “inovação” só aconteceu porque naquela época os negros americanos já eram um público consumidor que podia pressionar a indústria por representação – ou seja, as fabricantes estavam interessadas mais no nosso dinheiro do que em nos deixar belas e closudas nas fotos.

Este fato foi tema de uma pesquisa da socióloga canadense Lorna Roth, que se debruçou sobre a história da fotografia para mostrar como os padrões tecnológicos prejudicaram a representação de pessoas que não tinham a pele clara. A pesquisa de Lorna foi publicada em 2016 na Revista Zum, do Instituto Moreira Salles.

Estou contando esse lance para gente entender o quanto o racismo garantiu às pessoas não negras o controle dos espaços de poder, seja na economia, na política e na mídia. Mas, se depender do Afrotometria, coletivo de fotógrafos negros, essa farsa está com os dias contados.

Fundado em 2018, o Afrotometria registra pessoas pretas sob uma perspectiva de beleza, protesto, ancestralidade e esperança. Na pesquisa e atuação do coletivo estão temas como o racismo na sociedade, a vivência do povo preto nas ruas dos centros urbanos, as religiões afro, as manifestações públicas e o rompimento dos estereótipos sexistas. Sergio Fernandes, integrante do coletivo, comenta:

“A esperança é que o Afrotometria traga respeito e reconhecimento de fotógrafos negros dentro mercado fotográfico e que, com o passar o tempo, não seja mais necessário existir um coletivo para conscientizar as pessoas do meio sobre inclusão”

Atualmente, o coletivo está rodando a cidade de São Paulo com a exposição Fotopreta, que reúne imagens de fotógrafos da região norte e nordeste e propõe uma desconstrução de estereótipos raciais e regionais. A exposição pode ser vista na estação Oscar Freire do metrô até 8 de janeiro. Depois, entre 9 e 21 do mesmo mês, a exposição funcionará na estação São Paulo Morumbi.

Outras imagens do Afrotometria podem ser vistas numa intervenção urbana de pôsteres de fotografias espalhadas em cinco avenidas da cidade e nas pilastras que sustentam o Minhocão, na região central de São Paulo (veja os endereços completos abaixo).

EXPOSIÇÃO FOTOPRETA ACONTECE EM ESTAÇÕES DE METRÔ DE SÃO PAULO

Eu, a repórter que vos fala, tive a honra de participar de intervenção como modelo numa fotografia com referências a orixá Oxum, em fotos feitas por Bruno Pompeu. Por causa da pandemia, improvisamos um estúdio no meu apartamento. Durante a sessão, uma bela surpresa: Bruno resolveu fazer um retrato da minha avó Maria Aparecida, de 83 anos. Criada na roça no interior de Minas Gerais, ela é uma das pessoas mais simples que conheço, logo a tecnologia não é o forte dela e, ao longo de sua vida, teve pouco contato com a fotografia. Diante das câmeras do Bruno, percebi que ela sorria tímida, mas seus olhinhos estavam brilhavam radiantes.

O PRETO TAMBÉM POR TRÁS DA CAMERA

INTERVENÇÃO URBANA DO AFROTOMETRIA ESPALHOU POSTÊRES POR VIAS MOVIMENTADAS DA CIDADE

A ideia de criar o Afrotometria teve início no carnaval de 2018, quando 20 fotógrafos se conheceram no bloco de carnaval afro afirmativo Ilu Inã, que anualmente faz um cortejo pelas ruas do bairro Campos Elíseos partindo do quilombo urbano Aparelha Luzia. Na ocasião, todos estavam lá para fotografar o espetáculo e, entre os cliques, rolou uma troca sincera e de muito respeito pelo trabalho um do outro.

A partir daí eles tiveram a ideia de criar um grupo de fotógrafos negros no Facebook. Dessa união, nasceu o Afrotometria. No mesmo ano, o coletivo organizou a primeira edição da exposição Fotopreta, que aconteceu na Casa Elefante, na região central da cidade.

Hoje, além de Sergio, integram o coletivo Ina Henrique, Tiago Santa e Isabela Alves. Para trazer visibilidade para outros fotógrafos, também participam das exposição Fotopreta Daisy Serena, Georgia Niara, Nego Junior e Hudson Rodrigues (já perfilado pela Emerge Mag). Tiago comenta:

“A exposição Fotopreta nasceu ao percebemos a ausência de profissionais pretos na fotografia e em exposições, principalmente em temas em que o povo preto é protagonista nas imagens, mas nunca na criação”

Se uma imagem vale mais do que mil palavras, então que as câmeras fotográficas – e os negros por trás delas – sejam ferramentas para mostrar a grandiosidade e potência do povo preto.

SERVIÇO
Fotopreta (Norte e Nordeste)
Estação Oscar Freire: até 31 de dezembro.
Estação São Paulo-Morumbi: de 9 a 29 de janeiro.

Fotopreta – Intervenção Urbana
Avenida Conde de Frontin, 1115.
Avenida Braz Leme, 1480.
Avenida Marechal Tito, 1050.
Avenida Giovanni Gronchi, 1115.
Rua Consolação, 1398.
Pilastras do Minhocão.

FOTOGRAFIAS: Sérgio Fernandes (abertura) e Coletivo Afrotometria

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
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