Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Yoga Para Todes mostra a potência dos corpos plurais

01/12/2020

Escola de yoga nada convencional criada pela ativista gorda Vanessa Joda democratiza a prática milenar de equilíbrio entre corpo, mente e espírito

Ela é gorda, tatuada, anarquista, fala palavrão e usa camisetas de banda de heavy metal. Quem vê de longe pode não imaginar, mas Vanessa Joda é professora de yoga e dona de uma das escolas que mais fomentam a prática milenar na cidade de São Paulo. Boa parte da surpresa se dá por Vanessa ser o oposto do estereótipo yogini, que costuma ser magro, cisheteronormativo, financeiramente resolvido e com fotos em posturas mirabolantes e abdômen trincado no Instagram (#gratiluz).

Foi justamente por não se reconhecer dentro desse recorte piscocorporal – e por saber que não era a única –, que Vanessa fundou a Yoga Para Todes. Mais do que uma escola, a Yoga Para Todes é um movimento de resgate de uma yoga inclusiva e libertária, que cria um espaço para que pessoas com diferentes biótipos aprendam e vivam essa disciplina de conexão entre corpo, mente e espírito. Vanessa explica:

“Na Yoga Para Todes há muitas pessoas gordas, negras, LGBTQI+, com deficiência e idosos – corpos que não são bem-vindes em escolas tradicionais, mas que também precisam de uma atividade que traga equilíbrio”

No Brasil, a yoga é uma prática elitizada. Geralmente, os estúdios estão em bairros de classe alta e média e há escolas que chegam a cobrar mais de R$ 500 por quatro aulas mensais. O panorama é bem diferente do clássico tratado Hatha Yoga Pradípiká, escrito há mais de 500 anos pelo indiano Svāmin Svātmārāma, que popularizou a yoga no ocidente. Naquela época, graças às influências do budismo, da medicina ayurvédica e do tantrismo, a yoga foi ressignificada por perspectiva de libertação, reivindicando inclusive o fim do sistema de castas indiano, um tipo de hierarquia social hereditária marcada por privilégios e deveres que só foi encerrada institucionalmente com a independência da Índia do domínio britânico em 1947. Vale lembrar que o que conhecemos hoje como yoga é uma prática muito mais antiga, que já existia há milhares de anos tanto na Índia quanto no Antigo Egito. No entanto, um dos marcos históricos foi a sistematização da prática feita pelo brâmane (sacerdote) Patañjali no tratado Yoga Sutra, no século II a.C na Índia.

De volta ao século 21 e na missão de democratização, um dos muitos méritos da Yoga Para Todes é contemplar classe social e territórios periféricos por meio da prática. Entre as aulas na sede física, Vanessa passou a realizar sessões gratuitas em parques e centros culturais da periferia de São Paulo, como no Espaço Paulo Freire, em Guaianazes, na zona leste. Num desses encontros, a yoga arrebatou Flávia Vicenti, professora de 41 anos. “Há poucas oportunidades de praticar yoga por pelo bairro”, diz ela. Flavia diz que a Yoga Para Todes desmistificou sua noção sobre a yoga e a fez perceber que a prática pode ser aplicada em outras esferas da sua vida. “É uma filosofia com enorme poder de transformação para enfrentar os desafios de ser uma mulher periférica”, conclui.

financiamento coletivo emerge mag

VEJA TAMBÉM: Boxe é resistência, respeito e solidariedade

EQUILIBRIO ENTRE CORPO, MENTE E ESPIRÍTO

Hoje Vanessa é uma mulher que se sente bem de forma integrada – e foi a yoga que a levou a esse estado de libertação. Por 20 anos, ela trabalhou numa multinacional como gerente de princing (profissional do mercado financeiro que identifica e estabelece preços para clientes). Naquela época, Vanessa tinha um ótimo salário, mas vivia estressada, ansiosa e chegou até a desenvolver síndrome do pânico. Além disso, sua saúde ia de mal a pior. Devido a questões sociais que impõem às mulheres um padrão de corpo magro (irreal e desumano), ela estava viciada em inibidores de apetite. Ao conhecer a yoga e sua proposta de transformação interna, ela decidiu largar a vida de executiva de comércio exterior, trabalhou em dois empregos para levantar grana e fez um curso de formação pra iogues. Em 2016, menos de um ano após o começo empreitada, nascia a Yoga Para Todes.

A missão de ter um espaço de yoga inclusivo esbarra em algumas dificuldades, em sua maioria as financeiros para sustentar uma estrutura de um local físico, o sistema oferecido a alunes de baixa renda do tipo “pague quanto puder” e as aulas gratuitas. Vanessa questiona:

“Como capitalizar um negócio de impacto social sem fugir do objetivo principal que é de democratizar a yoga, que hoje é muito elitista e classista?”

Se empreender com base em valores já é complicado, na pandemia a situação ficou mais complexa. Na quarentena, as aulas de yoga online foram uma das alternativas mais procuradas por aqueles que buscavam uma alternativa que trouxesse conforto simultâneo ao corpo e a mente em um momento tão angustiante. Vanessa foi uma entre as centenas de professores que levaram seu trabalho e conteúdo para o digital. Até março deste ano, ela mantinha um estúdio em Perdizes. Mas, devido à crise provocada pela Covid-19, ela teve que entregar o espaço e focou em aulas via Zoom, com sessões extras gratuitas via live no Instagram.

Por mais que a migração para o digital fez a procura pela Yoga Para Todes aumentar – de 10 pessoas que ela conseguia reunir numa sala, agora são 30 –, o trabalho junto às periferias foi comprometido devido a precariedade de acessibilidade digital. Embora seja o polo financeiro do Brasil, a região metropolitana de São Paulo tem 42% de seus domicílios (825 mil de moradias) sem acesso à banda larga, de acordo com um levantamento feito pela Fundação Seade e pelo Cetic. Por sua vez, a conexão móvel nem sempre é estável o suficiente para vídeo chamadas de longa duração.

E vocês acham que a triste e desigual realidade baqueou Vanessa? Respeitem a história dela, jovens. O fato a motivou ainda mais a desenvolver um projeto de curso de formação de professores na periferia de São Paulo, que vai ser iniciado tão logo a pandemia ser controlada (vem vacina). A ideia já estava engatinhada antes da chegada do coronavírus, mas agora se mostrou imprescindível. “É como aquele ditado, né? Uma andorinha só não faz verão”, diz ela aos risos cheia de perseverança.

Outra novidade é que Vanessa se matriculou num curso de graduação online de educação física recentemente – é permanência e constância alinhada a técnica, amores. E a tática é se valer de boas conexões para gerar transformações reais e concretas nos corpos e nas mentes. Afinal, pessoas incríveis quando juntas fazem coisas ainda mais incríveis.

Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
– O Groovin Mood dissemina a cultura sound system Brasil adentro
– Não há fronteiras para o teatro da Arquivo 2
– Os encontros preciosos do Abayomi Ateliê
– O podcast Almerindas é um aquilombamento na literatura
– O grafite do Grupo OPNI ressignifica a paisagem periférica

 Coletivo Cabeças na contracultura da beleza
 Uma feira de artesanato delas para elas
– As múltiplas mulheres do coworking Brava
 Ateliê Fomenta e a moda como resgate histórico
 Os encontros e o território do Periferia Preta
Sabe para que serve um vereador? O 3 Palitos ensina

FOTOGRAFIAS: Kalinca Maki

Quem escreveu

Inscreva-se na nossa

newsletter

MATÉRIAS MAIS LIDAS

ÚLTIMAS MATÉRIAS

NEWSLETTER EMERGE MAG

Os principais conteúdos, debates e assuntos de cultura, direitos humanos e economia criativa interseccional no seu e-mail. Envio quinzenal, às quartas-feiras.