Ela é gorda, tatuada, anarquista, fala palavrão e usa camisetas de banda de heavy metal. À primeira vista pode ser difícil descobrir, mas Vanessa Joda é professora de yoga há quase uma década. A surpresa se dá por Vanessa ser o oposto do estereótipo yogini (pessoa que pratica yoga), geralmente magro, cisheteronormativo, financeiramente bem resolvido e em posturas mirabolantes no Instagram #gratiluz.
Foi justamente por não se reconhecer dentro desse recorte psicocorporal — e por saber que não era a única —, que Vanessa fundou a Yoga Para Todes. Mais do que uma escola, a Yoga Para Todes é um movimento de resgate de uma yoga inclusiva e libertária, que cria espaços seguros para que pessoas com diferentes biótipos aprendam e vivam a disciplina de conexão entre corpo, mente e espírito.
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De fato, no Brasil, a yoga ainda é uma prática elitizada. Geralmente, as escolas estão concentradas nas metrópoles, em bairros de classe alta e média. Na cidade de São Paulo, há locais que chegam a cobrar mais de R$ 500 por quatro aulas mensais.
O panorama é bem diferente do sugerido no clássico tratado Hatha Yoga Pradípiká, escrito há mais de 500 anos pelo indiano Svāmin Svātmārāma, que popularizou a yoga no ocidente. Naquela época, graças as influências do budismo, da medicina ayurvédica e do tantrismo, a yoga foi ressignificada por perspectiva de libertação. Inclusive, reivindicava o fim do sistema de castas indiano, uma hierarquia social hereditária marcada por privilégios e deveres que foi encerrada institucionalmente com a independência da Índia do domínio britânico em 1947, mas que persiste até na cultura do país.
Vale lembrar que o que conhecemos hoje como yoga é uma prática muito mais antiga, que já existia há milhares de anos tanto na Índia quanto no Antigo Egito. No entanto, um dos marcos históricos foi a sistematização da prática feita pelo brâmane (sacerdote) Patañjali, no tratado Yoga Sutra, no século II a.C na Índia.
De volta ao século 21 e na missão de democratização, a Yoga Para Todes tem programas que levam a prática para territórios periféricos. Nos últimos anos, Vanessa passou a realizar sessões gratuitas em parques e centros culturais da cidade, como no Espaço Paulo Freire, em Guaianazes, na zona leste da capital.
Num desses encontros, a yoga arrebatou Flávia Vicenti, professora de 41 anos. “Há poucas oportunidades de praticar yoga no bairro”, diz ela. Flavia comenta que Vanessa desmistificou sua noção sobre a yoga e a fez perceber que a prática pode ser aplicada em outras esferas da sua vida.
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EQUILIBRIO ENTRE CORPO, MENTE E ESPIRÍTO
Hoje, Vanessa é uma mulher que se sente bem de forma integrada. Foi a yoga que a levou ao estado de libertação. No passado, ela trabalhou numa multinacional como gerente de princing (profissional do mercado financeiro que identifica e estabelece preços para clientes). Naquela época, Vanessa tinha um ótimo salário, mas vivia estressada e ansiosa. Após 20 anos na área, desenvolveu síndrome do pânico.
Devido a questões sociais que impõem às mulheres um padrão de corpo magro — irreal e desumano —, ela estava viciada em inibidores de apetite. Em 2015, ao conhecer a yoga e sua proposta de transformação interna, ela decidiu mudar de vida. Ser professora de yoga se mostrou ser mais adequado ao estilo de vida que desejava. Nessas, largou a profissão de executiva, fez um curso de formação para iogues (pessoa que ministra a prática) e trabalhou em dois empregos para levantar dinheiro. Menos de um ano após a decisão, nascia a Yoga Para Todes.
A missão de ter um espaço de yoga inclusivo esbarra em algumas dificuldades, em sua maioria as financeiros. Ela precisa arcar com os custos da escola, enquanto equilibra com as aulas gratuitas e o sistema “pague quanto puder”, oferecido a alunes de baixa renda.
Se empreender com base em valores já é complicado, na pandemia a situação ficou mais complexa. Até março deste ano, ela mantinha um estúdio em Perdizes. Mas, devido à crise social e sanitária provocada pela Covid-19, fechou o espaço e focou em aulas via Zoom, com sessões extras gratuitas via Instagram.
Durante a quarentena, a procura por aulas online aumentou. Houve muita busca por atividades que pudessem trazer conforto para o corpo e a mente, em um momento tão angustiante. A migração para o digital triplicou o número de alunos da Yoga Para Todes.
No entanto, as aulas para pessoas de periferia foram comprometidas, em grande parte devido condições de acessibilidade digital precárias. Embora seja a região mais rica do Brasil, 42% dos domicílios da metrópole paulista, cerca de 825 mil moradias, não têm acesso à banda larga, de acordo dados da Fundação Seade e Cetic. Por sua vez, a conexão móvel nem sempre é estável o suficiente para vídeo chamadas de longa duração.
Frente o mais novo desafio, Vanessa está desenvolvendo um curso de formação de professores na periferia de São Paulo, que deve ser iniciado quando a pandemia ser controlada #vemvacina. A ideia já estava engatinhada antes da chegada do coronavírus, mas, agora, se mostrou imprescindível. “É como aquele ditado, né? Uma andorinha só não faz verão”, diz ela aos risos cheia de perseverança.
Outra novidade é que, recentemente, Vanessa começou a graduação de educação física, online. O objetivo é alinhar ainda mais a permanência e a constância com novas técnicas. Ao fomentar boas conexões, Vanessa se mantém na busca por transformações reais e concretas, nos corpos e nas mentes. Afinal, pessoas incríveis, quando juntas, fazem coisas ainda mais incríveis.
Esta reportagem integra o projeto Mapeamento de Coletivos e Produtores Culturais da Região Metropolitana de São Paulo e conta com apoio do Edital ProAC nº 14/2019, de incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e plural no Estado de São Paulo. Veja outras reportagens da série:
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FOTOGRAFIAS: Kalinca Maki